terça-feira, setembro 30, 2008

Resiliência humana; ser espiritual



Ontem após mais uma consulta com um dos clientes fiquei a pensar nas consequências indesejáveis do uso de drogas ilícitas e da forma insidiosa e subtil com que uma pessoa fica "presa" a sua dependência.

Esta pessoa falava da forma como os seus impulsos o controlam e o conduzem, por vezes sem pensar nas consequências negativas dos seus actos, na obtenção da dose tão ardentemente e obsessivamente desejada. Ele questionava-se "João, será que algum dia irei sair deste ciclo vicioso que dá cabo da minha vida? Quero ter uma vida normal, sem drogas."

Esta afirmação parece legitima e profunda. Resume a constatação da sua ambivalência e  impotência. Da frustração e da dor. Da sua incapacidade de autocontrolo e de falta de auto realização.

Ninguém deseja ser adicto. Ninguém deseja ser diabético. Ninguém deseja ter um cancro. Ninguém deseja sofrer de hipertensão. Isto significa que a dada altura da nossa existência jogamos na "roleta russa" por força das circunstâncias, das atitudes e dos comportamentos, do ambiente e da carga genética, Faz parte dos desafios da vida e da descoberta das nossas competências individuais e sociais. senão formos sujeitos a adversidade nunca saberemos realmente quem somos e para onde vamos.



Depois do grande confronto, da negação e da ambivalência, da vergonha e do sentimento de culpa, da raiva e do ressentimento, de culpar tudo e todos, incluindo Deus conforme cada um O/A concebe, nasce finalmente a "luz" e o adicto realiza que afinal é um sobrevivente resiliente. A lógica adictiva reforça o controlo. Paradoxalmente na adicção, o adicto muda as suas atitudes e comportamentos,  quando descobre que é impotente.

Durante as consultas, não me canso de insistir na importância da fé e esperança junto daqueles que acompanho e que sofrem de doenças crónicas, e que almejam uma vida saudável e recompensadora . A vida encerra segredos que só são revelados aqueles que se atrevem e correm riscos. Acreditar na fé e na esperança é um risco porque buscamos uma fonte de poder imaterial fora de nós mesmos.

Na minha opinião, a maioria do ser humano ignora o grande potencial da realização espiritual, não religioso sem dogmas e divindades, até ser submetido a experiências adversas e/ou traumáticas, onde não existe o ego (orgulho doentio, arrogância, mentira, prepotência, a intolerância, etc.). Admitimos perante os outros que afinal falhamos, erramos, magoamos, nesses momentos "baixamos a cabeça", pedimos para ser perdoados e manifestamos o desejo de mudar - nasce a "luz". Passamos das palavras (promessas quebradas e dos falsos alibis) aos actos (pedir ajuda para a mudança e acreditar no desconhecido). A mudança pode ser um processo sensível - avanços e recuos (recaídas), recorremos à motivação, à inspiração e a orientação espiritual, não religiosa sem dogmas e divindades, que nos guia se nos mantermos no "caminho" do propósito e do sentido.

Será que quando ajudamos e servimos os outros (altruísmo, humildade, honestidade, dignidade, empatia) estamos a ser seres espirituais, capaz de gerar conexões necessárias para a ambicionada recuperação duradoura e recompensadora?

Alguns estudos realizados nos EUA revelam a importância da espiritualidade, não religiosa, numa abordagem complementar no tratamento da adicção. Juntos conseguimos correr os riscos necessários e obter da vida a realização dos "sonhos" que outrora achávamos impossível.

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