segunda-feira, outubro 15, 2018

A ambivalência na perturbação dos comportamentos alimentares




Este texto foi escrito pela Inês (nome fictício) sobre a sua luta contra a perturbação dos comportamentos alimentares. A Inês escreve de uma forma explicita e especifica sobre a relação consigo própria, os hábitos alimentares e a sua doença. Na perturbação dos comportamentos alimentares a vida do individuo orienta-se pela imagem, corpo, peso. Obrigado Inês pela partilha.
Depois de comer: Eu vi qualquer miniatura na vitrina que me chamou a atenção, mas não me recordo qual foi. Não tenho fome, mas apetece-me qualquer coisa doce. (Já na caixa para pagar e ao telemóvel) aquela miniatura de chocolate é muito maçuda para mim, pois não tenho fome. A castanha de ovos é mais leve. Também posso, pois até sinto as calças mais largas.
Logo vou comprar kinders... Não vou nada, pois já comi a minha dose de doces por hoje (ansiedade). Mas apetecia-me tanto os kinders... (ansiedade)
Saída da escola: E se eu fosse comprar uma caixa de kinders? Não, tenho de me controlar com os doces (ansiedade). É verdade, ali vendem gomas e se eu fosse lá...? Mesmo que fosse só ver... Não, nem posso pensar nisso (ansiedade). E se eu fosse comprar a torta de canela para comer ao jantar? Não, tenho de comer a sopa que lá tenho. Mas também podia fingir que comia sopa e ela (colega de casa) nem se apercebia o que realmente comia. Mas para isso teria que abrir a sopa que lá tenho e isso não me apetecia... Se não a abro, ela fica cada vez desconfiada que não como.  Não, não posso continuar a alimentar-me assim. Não posso comer a torta. (ansiedade)
Supermercado: Vou só ver se tem kinders... Oh não, tem! Vou levar destas barras para o fim de semana. Mas é só para o fim de semana mesmo ou para o feriado que é quando ela (colega de casa) não está.
Tantos chocolates, apeteci-me provar aqueles de menta. Devem ser mesmo bons, mas não posso mesmo. Já sei que se levo não aguento e acabo por comer a caixa inteira numa noite.
Aqui tem destes cereais com chocolate, mas tem tantas calorias (680). Não levo mesmo! Vou ao continente comprar os kinders, mas só como 1 ou 2, não mais.

quarta-feira, setembro 19, 2018

Presos um ao outro, sem soluções



“Foi com muito gosto que fiz a partilha. Fui codependente numa relação que durou alguns anos. O meu ex e já falecido marido, era toxicodependente e alcoólico e eu não conseguia libertar-me das amarras emocionais que me prendiam a ele. Só quando engravidei, o meu filho é que reuni forças para acabar definitivamente com a relação. Até então, eu não vivia, só sobrevivia, mas com o nascimento do meu filho, renasci de novo apesar de ainda restarem sequelas e traumas que por vezes afloram e se manifestam sob a forma de depressões. Mas hoje sou mais forte, gosto de mim e da minha própria companhia.  Por tudo isto, sinto-me muito feliz quando de algum modo, ajudo a quem sofreu ou sofre de dependências. Abraço, Maria (nome fictício)"

Comentário: Obrigado Maria, pelo seu relato e parabéns por ter redirecionado a sua vida, para melhor.

Nos últimos anos, as notícias de violência doméstica, oriunda da co dependência, têm servido de manchete nos media, com vítimas inocentes. É um fenómeno transversal na sociedade, todos nós sabemos da sua gravidade, mas algumas tradições culturais disfuncionais ainda teimam em resistir, por exemplo, o ditado popular, “entre marido e mulher, ninguém mete a colher”. Para agravar mais o cenário, já de si trágico, as consequências da violência doméstica, afeta e alastra a todos os membros da família, incluindo os filhos e restante família. Crianças e/ou jovens que perdem os pais nas circunstâncias mais trágicas e eles próprios vítimas do trauma, do estigma e a da vergonha. Alguns deles, na idade adulta, vão ter relacionamentos com parceiros em que a violência fará parte da herança familiar.

sexta-feira, junho 08, 2018

121ª Dica Arte Bem Viver de 15.07.2013 (reeditada)




Olá,
Não existem pessoas ou famílias perfeitas, mas existe o dialogo, o perdão e a confiança. Família, a nossa herança e identidade.  A família são pessoas, todas diferentes, que não podemos escolher. Quando nascemos, existem vínculos que nos unem, como um sistema e ocupamos um determinado lugar na hierarquia/estrutura (seio familiar). Pressupõe-se que a família seja um lugar seguro (pertença e reconhecimento) e os vínculos sejam de confiança, mas na realidade, não existem famílias ou pessoas perfeitas.

Sabia que uma das fontes mais comuns de conflito reside entre membros da mesma família? Alguns exemplos mais comuns da família desestruturada; negligencia e abuso emocional, físico, sexual, relacionamento disfuncional com o dinheiro, incompatibilidade e intransigência nas diferenças de opinião, de convicções e valores (crenças retrogradas, rígidas, perfeccionistas e preconceituosas baseadas na vergonha). Entre membros da família, a raiva excessiva e o ressentimento podem conduzir à fúria, à malícia, traição, à hostilidade, ao segredo e ao ódio e em situações extremas à violência. Alguns familiares, cultivam um ressentimento de "estimação" entre si, capaz de durar uma vida inteira.

O que são os problemas na família? Qualquer acontecimento que afete, um membro da família, imediatamente, afeta todos os outros (sistema familiar). Por exemplo, se alguém fica doente, quem é que cuida da situação? Se um membro da família tem problemas com o álcool como é que o sistema familiar fica afetado? Se um pai discorda da mãe, agressivamente, qual é o papel dos filhos? Se existe um divorcio, de que forma interfere no sistema familiar?

quarta-feira, maio 02, 2018

Jogar ou não jogar; eis as consequências



Quando um individuo identifica um problema relacionado com o jogo (qualquer atividade offline ou online que envolva apostar, jogar e ganhar) constata, que a sua capacidade de tomar decisões, das mais básicas às mais complexas, fica afetada, nestas situações especificas, um dos sinais inequívocos é a perda de controlo. O individuo não consegue prever, com antecedência qual vai ser o resultado das suas ações, no que ao jogo diz respeito. Mesmo assim, consciente, da sua impotência, o individuo, devido ao desejo intenso (craving) continua a jogar (apostas, vídeo jogos, poker, raspadinhas, bingo, etc.) apesar das consequências negativas a nível profissional, familiares, financeiras e económicas, obrigações sociais, etc. A maioria dos jogadores patológicos não revela muita apreensão quanto ao dinheiro que envolve a atividade/jogo. Esta preocupação poderá existir, após já não ter mais dinheiro para jogar e vê-se obrigado e interromper o jogo e a enfrentar as devidas consequências, por exemplo; dividas, gastar dinheiro do orçamento familiar, pedir dinheiro emprestado, gastar poupanças, etc. Todavia, este período de remorso é temporário e de curta duração. Inclusivamente, algumas famílias apelidam a esta fase; “fase de cordeiro” de “promessas e juras” que rapidamente são quebradas; o círculo vicioso reinicia mais uma e outra e outra vez.

Alguns sinais associados ao jogo patológico
Serie de derrotas – cada vez que lançamos moeda ao ar e aparecer “cara”, as possibilidades de isso acontecer são de 50%. Isto significa que se eu lançar a moeda ao ar, dez vezes seguidas e aparecer “cara”, nada me garante que à 11ª vez que repetir o mesmo ato, voltar a lançar moeda saia “cara”, porque as possibilidades continuam a ser de 50%. O resultado de cada lançamento não é determinante e não interfere no lançamento seguinte; a moeda não possui memoria. Muitos jogadores patológicos pensam que perder várias apostas, de seguida, vão iniciar uma serie de vitorias. Na realidade, apesar de perder, nada nos garante que a seguir vamos ganhar/vencer.

Sorte – Cruzar os dedos, ferraduras, amuletos, santinhos, bruxaria, crucifixos, soprar nos dados, etc. Muitos jogadores patológicos acreditam que este tipo de superstição ou outras, não mencionadas, poderá mudar a sua sorte. Outros acreditam que devem jogar sempre na mesma máquina ou vestir a camisa da sorte ou escolher um número da sorte aumentam as probabilidades de vencer. Na realidade, este tipo de amuletos ou outras coisas não possuem qualquer interferência na possibilidade de ganhar. É o tipo de jogo que cada um seleciona que determina se ganha ou perde.

  • De acordo com um estudo, é mais perigoso o jogo online (apostas, poker, vídeo jogos) do que o jogo físico, por exemplo, casino. O jogador patológico é capaz de estar mais de 10 horas focado no jogo que selecionou para si e estar online facilita o comportamento repetitivo.
Referencias: "Your First Step To Change" 2nd Edition - Division on Addiction at Cambridge, Harvard Medical School, Massachusets Department Of Public Health

sexta-feira, abril 13, 2018

O que é normal e o que é disfuncional? Falamos sobre sexo.





O que é certo e o que é errado? O que é normal e o que é disfuncional?
É através dos valores/convicções que sabemos, adquirido através da experiência e conhecimento, a distinguir aquilo que está certo e aquilo que está errado. Ao conseguir identificar, esses mesmos valores/convicções, permite-nos definir o que queremos ou rejeitamos, assim como, por exemplo, definir limites saudáveis nos relacionamentos, em detrimento da ausência de limites, por exemplo: relação caótica. É através dos valores/convicções que definimos objetivos, tomamos decisões (desde as mais básicas às mais complexas), cooperamos uns com os outros, estabelecemos limites nas relações, definimos um rumo, com sentido e propósito, na nossa vida. Adquirimos esses mesmos valores/princípios na família e na sociedade. Isto é, são as mensagens que recebemos, enquanto crianças, que moldam as crenças, as convicções e são as crenças e as convicções que moldam as normas das nossas condutas; por exemplo, o respeito mutuo, a liberdade e a igualdade, o amor, a comunicação, a honestidade, a solidariedade, a responsabilidade, a ética e a moral, a importância dos afetos, etc.

Quais são os valores/convicções que aprendemos em relação ao sexo e à sexualidade?
  • Quais foram as referências sobre o sexo e a sexualidade? 
  • Os nosso valores/convicções geram qualidade de vida ou sofrimento?

Com duas décadas de aconselhamento, atrevo-me a dizer que um número muito significativo de pessoas, homens e mulheres, aprenderam na rua com os amigos e na sociedade com recurso a mitos, tabus e algumas tradições rígidas e disfuncionais. Ainda se transmitem às crianças mensagens de reprovação, principalmente, quando surgem os primeiros impulsos, de que o sexo é pecado, perversidade, motivo de vergonha e sentimento de culpa.

Afinal, o que é que está certo e o que é que está errado em relação à sexualidade e o sexo?
Segundo a Organização Mundial de Saúde define: “A sexualidade é uma energia que nos motiva a procurar amor, contacto, ternura, intimidade; que se integra no modo como nos sentimos, movemos, tocamos e somos tocados; é ser-se sensual e ao mesmo tempo sexual; ela influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e por isso influencia também a nossa saúde física e mental.” Acrescentaria, é uma componente integrante dos afetos, da comunicação interpessoal e do prazer.

domingo, março 11, 2018

" A Recuperação é uma dádiva"





“A Recuperação é uma dádiva, que só foi possível acolhê-la quando me rendi, baixando os braços com humildade, pedindo ajuda.”


 Vivi muitos anos a acreditar que controlava o uso de drogas. Uma vida dupla, com muita manipulação, “a brincar com a vida”. Tempos limpa, tempos a usar, tempos a fazer tratamentos, a construir e a destruir. A última recaída, levou-me rapidamente a um estado de degradação, um completo descontrolo facilitado com dinheiro que meu pai deixou quando faleceu.

Completamente obcecada pelas drogas e a usar compulsivamente à procura de algo que não sabia o que era. Comecei a ter medo de morrer, mas também tinha medo de deixar as drogas e viver sem elas.  Desconectada de mim.  Onde é que eu estava? E foi essa necessidade de me encontrar, mais o amor das minhas filhas que deu coragem para parar de usar, mais uma vez…
Pedir ajuda foi a primeira etapa. Por um lado, sentia-me tão frágil e por outro, queria viver.

Rendi-me perante os factos evidentes da minha destruição total como ser humano. A mais visível era a componente física, mas a mais dolorosa, era destruição da minha alma, invisível a olho nu, mas visível ao meu olhar- uma mágoa enorme, vergonha, desespero, frustração e muita confusão.
Foi quando conheci o programa dos 12 passos que comecei uma viagem diferente. Encontrei pessoas como eu, que tinham problemas com drogas e que queriam aprender a viver sem ter que as usar. As identificações sucederam-se, o sentimento de pertença e amor contribuíram para que começasse a acreditar, que afinal o meu caso, não era um caso perdido, como tantas vezes ouvi.
Após muitas lágrimas e desabafos, deixei-me guiar, deixei de querer controlar tudo em mim. Abri a mente e o coração e só aí começou a aceitação. Aceitei, sou uma adicta, impotente perante a minha doença e contribuiu para perder o domínio da minha vida. Com a experiência que tinha do passado, sabia que estar apenas abstinente não era suficiente, era preciso algo mais. Saber que tinha uma doença e a aceitação deram-me um certo alívio – podia fazer algo – converter a adicta activa e destrutiva na adicta em recuperação e construtiva. Estava determinada a fazer diferente, precisava de mudar atitudes e comportamentos. Não mudar os estímulos externos, que ilusoriamente tantas vezes tinha feito, mas mudar os estímulos internos. Descobri em mim, muitas coisas através daqueles que partilhavam comigo, foram muitas vezes o meu espelho. Descobri que era arrogante, teimosa, orgulhosa, insegura, o que para mim foi um choque, mas que permitiu ter consciência. Nunca tinha olhado para mim e a partilha é mágica. Nasceu, muitas vezes, luz no meu coração e alívio. Eu não estava sozinha. Foi o início de um percurso, que até hoje, eu acarinho e afago, com gratidão!

sexta-feira, fevereiro 09, 2018

ABC da recuperação por José



Após a publicação do ABC da recuperação, amavelmente, recebi mais um email, desta vez do José que também respondeu ao meu apelo para a participação dos visitantes/seguidores do blogue. 
Nesse sentido o José acrescentou:  
Amor,
Amor próprio, 
Coragem,

Bem haja José pela sua participação.

Caso você também esteja interessado/a em participar no ABC da recuperação, poderá faze-lo enviando email para xx.joao@gmail.com com as palavras ABC no assunto da mensagem. Para participar não precisa de ser adicto, a sua opinião também conta. Bem haja 

sexta-feira, fevereiro 02, 2018

ABC da recuperação por Alda Reis

Após a publicação sobre o abecedário da recuperação, amavelmente recebi um email da Alda Reis que respondeu ao meu apelo para participação dos visitantes/seguidores do blogue.

Segundo a Alda, acrescentou ao ABC da recuperação 2018:
Perdão,
Humor,
Dádiva,
Atitude,
Exercício físico,
Gratidão,
Auto Imagem

Bem haja Alda Reis pela sua participação.

Caso você também esteja interessado/a em participar no ABC da recuperação, pode faze-lo enviando um email para xx.joao@gmail.com com as palavras ABC no assunto da  mensagem. Para participar não precisa de ser adicto/a, a sua opinião também é valida. Bem haja

quarta-feira, janeiro 24, 2018

Abecedário da Recuperação dos Comportamentos Adictivos




  • Comportamentos Adictivos 2018
Abecedário da Recuperação. As palavras são poderosas e mudam as pessoas.
Abraços
Brindar
Convicções
Despertar
Espiritualidade
Felicidade
Genuinidade
Historia
Identidade
Justiça
Limites nas relações
Meditação
Nós
Objetivos
Poder superior, conforme cada um o concebe
Qualidade
Resiliência
Sentimentos
Tolerância
União
Voluntariado
Zelo


  • Caso você pretenda acrescentar algumas das suas palavras, ao ABC da recuperação envie email para xx.joao@gmail.com com as palavras ABC da recuperação no assunto da mensagem. Bem haja

sábado, janeiro 20, 2018

Sinais dos tempos - a adicção aos videojogos


Desde os tempos mais remotos, o ser humano precisou de se alienar, de negar a realidade e adapta-la à sua vontade, de entrar em contacto com algo que o transcenda, precisou de “amortecedores” e “filtros” para se relacionar consigo próprio e os outros. Há vinte anos atrás, em Portugal, as adicções mais conhecidas eram as dependências de drogas ilícitas, vulgo toxicodependência (termo em desuso), o alcoolismo e numa escala mais reduzida o Jogo patológico a dinheiro nos casinos. Na ultima década, as “velhas” adicções mantêm-se inalteráveis, com algumas mudanças (novas substancias psicoactivas ilícitas foram descobertas) e surgem as novas doenças do comportamento adictivo relacionados com a Internet (redes sociais, os videojogos e o jogo patológico online a dinheiro). Mais recentemente, surgiram noticias nos meios de comunicação social de que a Organização Mundial de Saúde decidiu que a adicção aos videojogos (comportamentos adictivos) será incluída na revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, previsto para 2018 cuja sigla é conhecida como CID. Significa que, brevemente, todos nós iremos ter acesso aos critérios de diagnostico da doença e a respetiva legislação. Costumo dizer que jogar está no nosso ADN: quem é que não gosta de jogar? Quem é que joga para perder? Talvez por isso os vídeos jogos sejam uma indústria milionária que gera milhões de euros em todo o mundo.

Enquanto aguardamos pela revisão do CID, podemos avançar com um dado importante sobre a adicção aos videojogos, indicador comum identificado também em todas as adicções, seja às substâncias psicoactivas do sistema nervoso central, vulgo drogas, incluindo o álcool ou os comportamentos (jogo patológico a dinheiro, sexo, compras, shoplifting/furto, perturbação do comportamento alimentar, dependência emocional). Este indicador encontra-se nas estruturas cerebrais envolvidas no prazer e recompensa (neurotransmissores) que comprometem seriamente a motivação, a memoria, a atenção/controlo. Simplificando, para que toda a gente perceba, umas pessoas mais do que outras, todos perdem o controlo do seu comportamento adictivo. A partir do momento em que a adicção é despoletada, o individuo revela-se incapaz de prever com exatidão as consequências do seu comportamento problema; consequências na saúde (física, mental e espiritual), na família, na escola/trabalho, justiça, questões económicas/financeiras.

quinta-feira, janeiro 11, 2018

São necessarios mais consensos do que divergências contra o estigma, a negação e a vergonha


Ao longo do meu trajeto profissional, desde 1993, escuto utentes motivados para recuperar (mudar) dos comportamentos adictivos, apesar da impotência e da perda do controlo, consequência da adicção (dependência de drogas lícitas ou ilícitas, incluindo o álcool, jogo patológico, sexo compulsivo, perturbação do comportamento alimentar, dependência emocional, videojogos, Internet) que colocam questões, com toda a legitimidade, sobre o tipo de tratamento mais adequado. É perfeitamente legitimo terem duvidas e/ou questões, todavia, as repostas não são de acordo com as suas expectativas e naturalmente, possuem a predisposição para ficarem resistentes ou ambivalentes. Quem é que gosta de mudar de atitudes e comportamentos? O ser humano foge da mudança. 

Ao contrario do que acontecia há vinte anos atrás, atualmente existe imensa informação, mas os mitos e tabus teimam em persistir sobre a adicção, ao longo dos anos, atribui-se a causa do comportamento adictivo ao stress, ao esposo/a, “às companhias”, problema de infância, período atribulado (separação/divorcio, desemprego, doença), trauma, conflitos familiares. Quando pensamos na causa e no tratamento da adicção, tudo isso, representa apenas uma parte do problema. Os próprios investigadores e terapeutas seniores não encontram um consenso sobre esta matéria. 

Na realidade, quando pretendemos tratar indivíduos doentes da adicção somos conduzidos para um universo muito mais complexo; refiro-me aos fatores neurológicos, biológicos, psicológicos e sociais. Atualmente, graças aos avanços tecnológicos (ressonância magnética) é possível compreender as implicações da adicção no cérebro – modelo de doença (estrutura cerebral responsável pela motivação, memoria, atenção/controlo e recompensa/prazer). Paralelamente, aos avanços tecnológicos, no plano das teorias do comportamento sabemos graças ao Project Match, estudo patrocinado pela National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (Treatment Research Branch), nos EUA (desde 1989 a 1994) a seleção/eleição de três modelos comprovados no tratamento: 1 Entrevista Motivacional 2 Terapia Cognitiva Comportamental e 3. Twelve Step Facilitation (oriunda dos 12 Passos dos Alcoólicos Anónimos), mesmo assim e apesar dos esforços, dos avanços e/ou teorias ainda não existem comprimidos, receitas, profissionais ou abordagens terapêuticas milagrosas que funcionem para todos da mesma maneira, vulgo cura. Talvez esta seja uma das razões para a existência teimosa dos tabus e mitos. Cada caso é um caso e o utente é que faz o trabalho em recuperar da adicção, nesse sentido, como profissionais, precisamos de saber como compreender, apoiar e orientar.  Anteriormente, como profissionais, pensávamos que a inadequação do utente diante a teoria/modelo de tratamento era devido à sua negação – “Ainda não bateu no fundo…ainda tem que sofrer mais.”. Atualmente, pensamos que a inadequação, vulgo “negação” do utente pode estar no modelo que apresentamos, porque os utentes, embora impotentes, continuam a querer mudar o comportamento problema/adicção. Recordo alguns casos, de utentes que acompanhei, em “negação”, mais tarde encontrei-os com vidas saudáveis; segundo eles, recorreram a outros profissionais ou instituições e outros conseguiram faze-lo sozinhos, certamente acompanhados por familiares. Estes encontros serviam para questionar, refletir e pensar na minha abordagem sobre a motivação e a mudança de comportamentos adictivos; estes encontros foram verdadeiras lições transformadoras.