quarta-feira, abril 24, 2024

Adicção fonte de mitos, tabus e segredos



É mito? Tabu? Negação? Ou a realidade diz-nos que as crianças também sofrem, em silêncio, com os comportamentos adictivos?

Vamos indagar e procurar compreender este fenómeno observado no contexto de tratamento (em regime de internamento ou regime de consultas ambulatórias) do comportamento adictivos, segundo os pais e seus familiares afirmam: “Os meus filhos não são afetados pela adicção.”

Há três décadas, com demasiada frequência, escuto pais adictos com filhos, e familiares, afirmarem, convictamente, que a dependência de substâncias psicoativas, vulgo drogas, incluindo o álcool e/ou comportamentos adictivos (jogo patológico, relações de dependência, adicção ao sexo, compras, furto nas lojas, adicções cruzadas/comorbilidade) não afetam as crianças. 1) são muito pequeninas, não têm o mesmo discernimento que os adultos ou 2) porque não sabendo do problema não sofrem as consequências.

Algumas afirmações mais comuns.

“Os meus filhos são crianças muito pequenas e não se apercebem do problema da minha dependência.”

“Como pai/mãe jamais faria alguma coisa que prejudique os meus filhos.”

“As crianças ainda não se aperceberam o que se passa lá em casa. Apesar das discussões com a família, não consumo drogas em casa.”

“Posso ter um problema de adicção, mas consigo separar da relação que tenho com os meus filhos, impedido assim que eles sejam prejudicados.”

“A minha dependência não é assim um problema tão grave…consigo controlar a situação.”

“Quando discuto com a minha/meu esposa/o sobre o tema é a dependência não há agressividade e antes levamos as crianças para os seus quartos. Não queremos que elas estejam presentes.”

Apesar de o ser humano, ignorar a evidência científica, este fenómeno, sobre a adicção não afeta as crianças, pode ser mais um caso a juntar a tantos outros?

Na sociedade atual, os exemplos sobre a descrença popular na investigação científica são numerosos e não é possível descreve-los a todos neste texto. Estes exemplos que irei expor são suficientes para constatarmos os factos. Sem mais delongas, vejamos vários casos do conhecimento geral. Segundo a investigação científica está comprovado que a obesidade representa risco de doença cardíaca, colesterol elevado, regimes alimentares altamente calóricos, hábitos sedentários, ausência de exercício físico e seguir uma alimentação saudável. Segundo a investigação científica está comprovado que a dependência do tabaco representa um sério risco de cancro nos pulmões. Segundo a investigação científica está comprovada que a exposição excessiva ao sol está associada a cancro da pele, no verão as praias estão repletas de pessoas, mesmo no período do dia em que a temperatura é mais elevada.

quarta-feira, abril 03, 2024

Passagem pela metamorfose para a liberdade de ser

 

Atualmente, sabemos que certos circuitos e estruturas neuronais estão associados à adicção, a dopamina (neurotransmissor) é uma caraterística biológica comum em todas as dependências e comportamentos adictivos.

Dopamina, neurotransmissor que despoleta o gatilho (desperta) do desejo, da vontade associado ao prazer/recompensa é o mesmo que influencia a distorção do pensamento e do autoengano.  A adicção é uma doença que consegue defraudar o individuo ( e família). Diz, “Não existe tal coisa…” ou “Existe doença, mas só os outros é que ficam doentes…” ou “Eu consigo controlar…” Existem uma longa lista de justificações e auto engano (falsas crenças, rotinas, rituais, tradições), que o individuo, consciente e/ou inconscientemente, fomentam a incapacidade de diálogo racional consigo próprio (mente para si mesmo, sem ter a noção que o raciocínio/lógica não corresponde aos fatos e realidade). Interessante, observar que este processo também é identificado nas dinâmicas familiares. Nestas situações, se o individuo fosse sujeito ao poligrafo (detetor de mentiras), as suas afirmações eram consideradas verdadeiras. No prazer, na recompensa, no alheamento proporcionado pela adicção, paralelamente, existe um custo, uma divida, “um castigo moral”, “uma sentença”, um estigma que pode levar anos a desaparecer da vida e da recuperação do individuo, assim como, da família.

Durante os anos 50 investigadores americanos conduziram uma experiência sobre os mecanismos neurobiológicos associados ao desejo e à motivação. Para surpresa dos investigadores, quando bloquearam a libertação de dopamina em ratos, estes perderam toda a vontade de viver. Passados uns dias os ratos deixaram de beber água e morreram de sede. Quando os investigadores inverteram o processo, os cérebros dos ratos foram inundados de dopamina, ficaram de tal modo desejosos e motivados que se deslocavam ao local onde obtinham a dopamina 80 vezes por hora. Será assim tão diferente nos humanos? O jogador médio de slot machines é capaz de acionar o dispositivo das máquinas barulhentas 600 vezes por hora. A dopamina é libertada não apenas quando se sente prazer, também é libertada quando se antecipa o prazer. Os indivíduos dependentes do jogo, do alcoolismo, drogas, co dependência, sexo apresentam picos elevados de dopamina antes de jogarem, beber bebidas alcoólicas, consumir drogas, ausência de limites na relação (caos/disfuncionalidade), ou desejo intenso/fantasias sobre o sexo. Esta antecipação do desejo e do alheamento é complexa e pode revelar-se extremamente poderosa na personalidade de alguns indivíduos, por exemplos, nos impulsos, nas funções cognitivas, certo e errado (valores morais universais), regular emoções.