Atualmente,
sabemos que certos circuitos e estruturas neuronais estão associados à adicção,
a dopamina (neurotransmissor) é uma caraterística biológica comum em todas as
dependências e comportamentos adictivos.
Dopamina,
neurotransmissor que despoleta o gatilho (desperta) do desejo, da vontade
associado ao prazer/recompensa é o mesmo que influencia a distorção do
pensamento e do autoengano. A adicção é
uma doença que consegue defraudar o individuo ( e família). Diz, “Não existe
tal coisa…” ou “Existe doença, mas só os outros é que ficam doentes…” ou “Eu
consigo controlar…” Existem uma longa lista de justificações e auto engano
(falsas crenças, rotinas, rituais, tradições), que o individuo, consciente e/ou
inconscientemente, fomentam a incapacidade de diálogo racional consigo próprio
(mente para si mesmo, sem ter a noção que o raciocínio/lógica não corresponde
aos fatos e realidade). Interessante, observar que este processo também é
identificado nas dinâmicas familiares. Nestas situações, se o individuo fosse
sujeito ao poligrafo (detetor de mentiras), as suas afirmações eram
consideradas verdadeiras. No prazer, na recompensa, no alheamento proporcionado
pela adicção, paralelamente, existe um custo, uma divida, “um castigo moral”, “uma
sentença”, um estigma que pode levar anos a desaparecer da vida e da
recuperação do individuo, assim como, da família.
Durante os anos 50 investigadores americanos conduziram uma experiência sobre os mecanismos neurobiológicos associados ao desejo e à motivação. Para surpresa dos investigadores, quando bloquearam a libertação de dopamina em ratos, estes perderam toda a vontade de viver. Passados uns dias os ratos deixaram de beber água e morreram de sede. Quando os investigadores inverteram o processo, os cérebros dos ratos foram inundados de dopamina, ficaram de tal modo desejosos e motivados que se deslocavam ao local onde obtinham a dopamina 80 vezes por hora. Será assim tão diferente nos humanos? O jogador médio de slot machines é capaz de acionar o dispositivo das máquinas barulhentas 600 vezes por hora. A dopamina é libertada não apenas quando se sente prazer, também é libertada quando se antecipa o prazer. Os indivíduos dependentes do jogo, do alcoolismo, drogas, co dependência, sexo apresentam picos elevados de dopamina antes de jogarem, beber bebidas alcoólicas, consumir drogas, ausência de limites na relação (caos/disfuncionalidade), ou desejo intenso/fantasias sobre o sexo. Esta antecipação do desejo e do alheamento é complexa e pode revelar-se extremamente poderosa na personalidade de alguns indivíduos, por exemplos, nos impulsos, nas funções cognitivas, certo e errado (valores morais universais), regular emoções.
Para os
indivíduos adictos a antecipação, a procura, a recompensa do prazer imediato é
a motivação principal que ocupa as suas mentes (loop) durante dias,
semanas, meses, anos de incapacidade de diálogo racional consigo próprios
agravado pelo tempo em que a adicção permanece activa (progressão). Ficam
também incapacitados de exercer as suas funções, tais como relacionar-se com a
família, incluindo as crianças, no trabalho (a maioria dos adictos a drogas e
álcool são pessoas que estão ativas profissionalmente, ao contrário do que se
pensa), ou outro tipo de atividade individual ou social.
Incapacidade de diálogo racional consigo próprio (pensamento
automático).
A Sociedade
Americana da Medicina da Adicção define a adicção como uma doença primária,
crónica, de busca/desejo de recompensa, motivação, memória e neurológicas (cérebro-redes
neuronais). A adicção é caracterizada pela diminuição no domínio do controle
comportamental, da intensidade dos desejos e recompensas, incapacidade em
abster-se consistente (por exemplo, adiar a gratificação imediata) e um
depauperamento nas relações sociais.
De acordo
com a incapacidade de diálogo racional consigo próprio (lógica adictiva), o
individuo gradualmente vai acumulando um conjunto de experiências,
comportamentos repetitivos, rituais, rotinas e hábitos que interferem na sua
identidade – persona.
Para aqueles
que não desenvolvem a dependência, refiro-me aos pais, esposas/esposos, colegas
de trabalho, etc não conseguem compreender como é que o/a filho/a, o/a
familiar, amigo, colega de trabalho permitiu que a sua vida tenha tornado
caótica devido à adicção e mesmo assim continue “cego” a “alimentar” a
dependência – perda de controlo. Acontece com muita frequência, familiares,
esposos/as, amigos, etc questionarem-me sobre este fenómeno, apesar da perda do
controlo e das consequências negativas, como é o individuo dependente não
interrompe a progressão, o comportamento adictivo e repetitivo? Muitas vezes,
de forma a ilustrar o problema utilizo esta expressão: “É extremamente difícil explicar
e pela parte da família é extremamente difícil compreender e aceitar. Só quem
passa por uma experiência com este nível de complexidade é que compreende. Como
houvessem dois mundos, duas realidades distintas – vidas duplas. Ao longo do processo adictivo (jogo, álcool,
drogas, co dependência, relações, sexo) , o que acontece é que o individuo, desenvolve uma identidade (persona)
que quando confrontado ou criticado defende “com unhas e dentes”. Esta
identidade funciona contra o individuo, desenvolve uma espécie de “orgulho
doentio” que o encoraja a negar as suas vulnerabilidades e fraquezas –
justificações, racionalizações, autoengano, negação perante si próprio, a família
e a sociedade. Envergonhado, frustrado, humilhado, quem é que gosta de ser
criticado? Ou confrontado? Na realidade o que acontece é, quanto mais
confrontação mais elevado é o “muro” e as “barreiras”. Quanto mais profunda a
dependência está associada à identidade, maior é a negação, a resistência, a
ambivalência diante as críticas e o diálogo racional consigo próprio. Esta identidade(lógica adictiva) está associada à solidão, à mentira, à vergonha, aos
enviesamentos cognitivos e emocionais, ao sentimento de culpa, recaídas,
sentimento de raiva/ressentimentos (familiares, trabalho, etc), à ansiedade, à
depressão.
Tal como já
foi referido, identificamos a incapacidade de diálogo racional consigo próprio
nos mais diversos tipos de adicção; o comportamento repetitivo (automático) e
compulsivo (prazer imediato), alcoolismo, drogas, co dependência, relações,
jogo patológico, adicção ao sexo e perturbação do comportamentos alimentar.
Tratamento, início
da recuperação
Um dos
aspetos importantes do tratamento da adicção são os indivíduos quebrarem as
convicções que os impedem de avaliar e compreender o nível de compromisso e
persistência em manter a identidade (fechado na sua concha) criada e enraizada
na dependência. Em muitos casos, a energia catalisadora para o individuo
quebrar e mudar a lógica adictiva é através da dor e sofrimento que sente
associado aos “custos”, às dividas, “castigos”, consequências, perda do
controlo. Por exemplo, surgem problemas de saúde, problemas familiares graves
(divorcio, separação, crianças, agressões verbais e/ou físicas), problemas
financeiros, problemas com a justiça, etc.
Espiritualmente, falando, a recuperação começa
com uma espécie de rendição (baixar os braços) proporcionado pela dor. Nesta
fase da rendição, o individuo, começa a desenvolver uma auto critica,
autoconhecimento e capacidade de ser honesto consigo próprio e com os
outros.
Muitos
casos, indivíduos que iniciam o processo de recuperação, começam a compreender
a incapacidade de diálogo racional consigo próprio, lentamente vão estando motivados
a quebrar os “muros” e as “barreiras” e colocam a si próprios esta questão:
“Então quem sou eu agora.?”
Na realidade, o mundo não é nem justo, honesto
ou racional. Paradoxalmente, o ser humano apresenta vulnerabilidades e
resistência quanto a monitorizar o seu comportamento, todavia revela-se um
excelente critico em apontar e identificar os defeitos nos outros. Quanto mais
progressiva a adicção se revela mais frágil, mais só, menos apto o individuo
está em interromper o processo destrutivo. A adicção é uma doença primaria,
progressiva e crónica. No entanto, graças ao tratamento é possível recuperar.
Não permita que a adicção o defina como pessoa, quem decide é você.
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