quarta-feira, janeiro 31, 2024

Recuperação: Sou a Inês e sou uma adita.

 


Sou a Inês e sou uma adita. Sim hoje aceito que sou uma adita e que usei mascaras demasiado tempo vivendo uma vida dupla, e negando a minha adição.

Na verdade quando estava na minha adição ativa, tinha uma visão distorcida de mim mesma e da realidade á minha volta. Mas esse foi mesmo o objetivo inicial dos meus consumos, anestesiar a imagem que tinha sobre mim e todos os sentimentos associados a ela.

Hoje, estou limpa há mais de 4 anos e quando faço uma retrospetiva da minha vida, consigo identificar com muita facilidade a minha adição desde muito nova. As compulsões por obter prazer imediato estão bem presentes desde muito cedo, numa tentativa de controlar a intensidade das minhas emoções negativas e de calar a voz autodestrutiva que ecoava na minha cabeça que me dizia que eu não tinha nenhum valor, e que ninguém nunca podia gostar de mim. No fundo era a minha baixa autoestima e a minha falta de sentir pertença e a minha incapacidade de aceitar a vida como ela é. 

Mas na altura não o sabia, e encontrei no álcool e nas drogas um alívio temporário e ilusório para o meu problema. Era como se anestesiassem o que sentia sobre mim. Quando consumia, aquela voz que me destruía e me fazia sofrer intensamente parava de falar, e assim julguei que tinha encontrado o que precisava para não sofrer mais.

No entanto as consequências desta solução, a longo prazo foram devastadoras. Tanto quis fugir de mim que me perdi completamente, os consumos foram cada vez mais frequentes, os riscos corridos cada vez maiores, no peito a sensação de vazio crescia, escavando um buraco cada vez maior. Já não sabia quem eu era, e apos várias tentativas falhadas de parar de consumir sozinha, estava num círculo vicioso de autodestruição, achava que enganava os outros com as minha vida dupla e manipulação, mas enganava-me era a mim própria cada vez mais em cada moca e cada ressaca.

Aos 35 anos graças á ajuda da minha família, fui internada num tratamento para dependências, onde iniciei a minha recuperação que começou com a abstinência de substâncias num ambiente controlado, onde me confrontaram com as evidências do descontrole em que a minha vida se tinha tornado. Aí foi quando baixei os braços e aceitei a minha impotência perante as drogas e tomei a decisão de começar o processo de reconexão comigo mesma que graças ao meu poder superior, até hoje continuo a trilhar

Nas salas de Narcóticos Anónimos (1) encontrei exemplos, ouvi experiências de vida e para mim mais importante do que tudo, percebi que não estava sozinha e que havia ali pessoas que eram capazes de sentir as emoções mais negras e autodestrutivas, exatamente como eu. Independentemente de onde vinham, de quais as drogas que haviam consumido, quando falavam eu revia-me nas suas palavras, eu conseguia facilmente identificar em mim os mesmos sentimentos e os mesmos comportamentos. Pela primeira vez na vida senti que pertencia em algum lugar, senti o poder do que se costuma dizer nas salas “juntos conseguimos o que sozinhos nunca fomos capazes”. 

Desde o momento que entrei em recuperação iniciei um processo profundo de autoconhecimento e de transformação pessoal. Fui tirando camadas sobre mim mesma e mergulhando cada vez mais em quem eu sou e só por hoje continuo a querer este caminho. Só por hoje não me vou autossabotar nem ser desonesta com o que sinto.

Aprendi a gostar de mim a viver em paz com quem eu sou e que tenho tudo o que preciso no meu mundo interior. As feridas só saram quando as destapamos, não vão lá com pensos rápidos, como são o álcool e as drogas.

Uma coisa tenho a certeza estando limpa e serena, na minha vida, muito mais será revelado….

Deixo a sugestão de um livro que fez parte deste meu processo e que fala sobre a coragem de ser quem somos.

“Propósito” de Sri Prem Baba da editora pergaminho.

(1) Narcóticos Anónimos (NA) são grupos de ajuda mutua, em Portugal desde 1985 e existem reuniões no continente e ilhas. Existem reuniões de NA em praticamente em todo o mundo.

Comentário: Bem hajas Inês pela tua participação no Recuperar é que está a dar. O facto de seres uma mulher em recuperação, contraria o estigma e a vergonha oriundo da sociedade e o teu exemplo consegue mudar atitudes moralistas e preconceitos. Certamente, o teu texto será uma fonte inspiração e identificação a outras mulheres que procuram soluções para o seu sofrimento e perda do controlo, caracteristicas da adicção activa. Ao longo de 30 anos de experiência profissional, considero que as mulheres sofrem mais do que os homens as consequencias negativas da adicção. Desejo-te sucesso, paz e felicidade. Obrigado.


terça-feira, janeiro 30, 2024

A avaliação na prevenção da recaída (fatores de risco e fatores de proteção)




Capacidades e competências cognitivas e emocionais em recuperação.

Como podemos executar melhores, e mais eficientes, planos de prevenção de recaída dos comportamentos adictivos personalizados (cada caso é um caso), sabendo de antemão que estamos, como seres humanos, expostos à perda da capacidade de avaliação? Da perda do juízo, do discernimento, do bom senso e capacidade critica.

Nascemos e vivemos com esta característica enviesada, portanto em recuperação dos comportamentos adictivos este enviesamento está presente no caminho. Qual é a atitude que desenvolvemos no caminho de recuperação que construímos, gostamos, protegemos, queremos ver reconhecido e melhore a autoeficácia (olhar para nós mesmos como vencedores perante a adicção)? Acontece com um número significativo de indivíduos, há medida que avançam no caminho, pretendem que a recuperação seja duradoura, mas mais importante, revele a melhor versão deles próprios (presente). A recuperação dá trabalho, senão vejamos. Diante a mudança de atitudes e comportamentos (por exemplo, reestruturação cognitiva e literacia emocional) já não se utiliza o termo “Porquê”. Utiliza-se o termo “Como.” O individuo é o agente da mudança.

Vou tentar resumir o conceito de recuperação da adicção. Cada individuo, deverá ter o seu próprio conceito de recuperação. Não é um único evento, é um caminho abrangente e personalizado, abarca a abstinência de drogas lícitas e/ou ilícitas, incluindo o álcool, a sobriedade, crenças/convicções, relações especiais com pessoas significativas, planear e coordenar, identificar traumas e/ou comorbilidades e procurar ajuda, reestruturação cognitiva e literacia emocional (honestidade, compromisso, regular as emoções, assertividade, espiritualidade, promover um estilo de vida que contempla a saúde física e mental, a carreira profissional, hobbies, auto cuidado, fatores de risco e fatores de proteção da deslize/recaída, relações saudáveis e um caminho/rumo com sentido e propósito.

 O que significa avaliação? Quando procuramos a melhor resposta/abordagem é importante recorrermos à avaliação/discernimento/capacidade critica. Diante problemas, desafios e conflitos almejamos possuir capacidades e competências eficientes e resilientes que promovam a autoeficácia.

Porque é que o discernimento/bom senso/capacidade critica é tão importante nas decisões, planos, objetivos?