domingo, setembro 19, 2010

Declaração de Viena 2010



Este texto foi publicado pelo Grupo Português de Activistas sobre Tratamentos de VIH/Sida (GAT) www.gatportugal.org   após a AIDS July, 2010, XVIII International Aids Conference in Vienna, Austria


A criminalização das pessoas que usam drogas fomenta a epidemia do VIH e teve consequências sociais e para a saúde extremamente negativas. É necessário uma reforma das políticas de drogas.

Em resposta aos danos sociais e à saúde causada pelas drogas ilegais, um regime de proibição internacional foi desenvolvido sob os auspícios das Nações Unidas. Décadas de pesquisas proporcionam uma avaliação abrangente do impacto mundial da “Guerra às Drogas”. Quando milhares de indivíduos se reúnem em Viena para a XVIII Conferencia Internacional de Sida, a comunidade científica internacional pede o reconhecimento dos limites e danos decorrentes da proibição total do uso de drogas, bem como a revisão das orientações, para eliminar barreiras à prevenção, ao tratamento e cuidados pelo VIH.

A evidência de que o cumprimento da lei tem fracassado no que diz respeito à prevenção da disponibilidade de drogas ilegais em comunidades onde há procura, é agora inequívoca. Durante as últimas décadas, os sistemas nacionais e internacionais de vigilância têm demonstrado que existe um padrão geral da queda nos preços nos preços das drogas e um aumento da pureza das mesmas, a despeito dos investimentos maciços no cumprimento da lei.

Além disso, não há evidência de que o aumento do rigor no cumprimento da lei reduza de modo significativo a prevalência do uso das drogas. Os dados também demonstram com clareza que o número de países em que as pessoas injectam drogas ilegais está a aumentar, sendo as mulheres e as crianças cada vez mais afectadas. Fora da África subsariana, um em três casos novos de VIH é entre as pessoas que usam drogas injectadas. Em determinadas áreas onde o VIH se dissemina mais rapidamente, como a Europa do Leste e a Ásia Central, a prevalência do VIH chega a atingir 70% dos utilizadores de droga injectada, em determinadas áreas, mais de 80% de todos os casos de VIH encontram-se neste grupo.

No contexto da evidencia avassaladora de que o cumprimento da lei não tem alcançado os seus objectivos, é necessário reconhecer e analisar os danos que causa. Os danos incluem, entre outros:


  • Epidemia de VIH fomentada pela criminalização das pessoas que usam drogas ilícitas e pelas proibições de disponibilização de material de injecção seguro e de tratamentos de substituição opiácea.
  • Explosão da transmissão do VIH entre utilizadores de drogas presos e institucionalizados, como consequência de leis e normas punitivas, assim como a falta de serviços de prevenção de transmissão do VIH nestes ambientes.
  • Erosão dos sistemas de saúde publica, quando o cumprimento da lei afasta os utilizadores de drogas dos serviços de prevenção e cuidado e os empurra para ambientes onde o risco de transmissão de doenças infecciosas (ex. VIH, Hepatite C e B e tuberculose) assim como outros danos é redobrado.
  • Crise nos sistemas de justiça criminal como consequência das altíssimas taxas de encarceramento numa serie de países. Isto tem afectado negativamente o normal funcionamento social de comunidades inteiras. Enquanto disparidades étnicas nas taxas de encarceramento por crimes relacionados com drogas são evidentes em todo o mundo, o impacto tem sido particularmente grave nos EUA, onde aproximadamente um em cada nove afro-americanos no grupo etário de 20 a 34 anos é encarcerado todos os dias, sendo o cumprimento da lei sobre drogas o principal motivo.
  • Estigma em relação às pessoas que usam drogas ilícitas, o que reforça a popularidade politica da criminalização dos utilizadores de drogas e enfraquece a prevenção do VIH , assim como de outras iniciativas de promoção de saúde.
  • Violações graves dos direitos humanos, incluindo a tortura, trabalho forçado, tratamento desumano e degradante, assim como a execução de dependentes de drogas numa serie de países.

Um mercado ilícito de drogas de 320 Mil Milhões de Dólares norte americanos. Estes lucros permanecem totalmente fora do controle dos governos, fomentando o crime, a violência e a corrupção em inúmeras comunidades urbanas e tem destabilizado países inteiros , como a Colômbia, o México e o Afeganistão.

Milhares de Milhões de Dólares dos contribuintes gastos anualmente na “Guerra às Drogas” que não só não atingem os objectivos enunciados como, em vez disso, directa ou indirectamente, contribuem para os dados acima enunciados.

Infelizmente, a evidência do fracasso da mera proibição de drogas em alcançar os seus objectivos, assim como as graves consequências destas orientações são frequentemente negadas por aqueles com interesse em manter o status quo. Isto tem criado confusão na população e tem custado inúmeras vidas. Os governos e as organizações internacionais têm obrigações éticas e legais em responder a esta crise e devem procurar alternativas apoiadas na evidência que possam efectivamente reduzir o dano causado pelas drogas sem causar mais danos. Nós, abaixo assinamos, pedimos aos governos e organizações internacionais, incluindo as Nações Unidas:


  • Se comprometam a fazer uma revisão transparente da eficácia das orientações actuais em relação às drogas.
  • Implementem e avaliem uma abordagem de saúde pública com base científica para abordar os danos individuais e para as comunidades decorrentes do uso ilícito de drogas.
  • Descriminalizem os utilizadores de drogas, aumentem as opções de tratamento para a dependência de drogas apoiadas no conhecimento cientifico e  na evidencia, bem como, a abolição dos ineficazes centros obrigatórios de tratamento de drogas, que violam a Declaração Universal  dos Direitos Humano.
  • Apoiem e aumentem inequivocamente o financiamento para a implementação do conjunto abrangente de intervenções no âmbito do VIH descrito na Guia de Estabelecimento de Objectivos da OMS, UNODC, e ONUSIDA.
  • Promovam o envolvimento significativo da comunidade afectada no desenvolvimento, monitorização e implementação de serviços e orientações que afectam as suas vidas.

Comentário: Este artigo permite uma informação generalizada sobre a epidemia do abuso de drogas ilícitas e do VIH, assim como uma constatação da ineficácia das medidas implementadas de forma a prevenir o abuso de drogas e do VIH. Por si só representa um tremendo falhanço e um dispêndio enorme de fundos (milhares de euros).

Gostaria de acrescentar, ao fenómeno dependências ilícitas e o VIH,  e fazer referência à epidemia (negligenciada e ignorada) relacionada com o abuso e dependência do álcool e das drogas legais, paralelamente ao consumo de drogas ilícitas e à transmissão do VIH. Desta forma, este fenómeno assume uma proporção desmedida e incalculável, onde os estudos/investigações permanecem nas prateleiras e anualmente são gastos milhares de euros, sem uma avaliação seria e independente. 

O fenómeno contínua escondido pelas autoridades (in) competentes, pela ordem dos médicos, ordem dos advogados, políticos e legisladores justificado pelos interesses económicos e corporativismo. Milhares portugueses, no seu dia-a-dia, sofrem as consequências deste fenómeno, incluindo as crianças. Recuperar É Que Está a Dar. Gostaria de agradecer ao GAT a publicação deste artigo.

Importante: O presidente do IDT e actual Director do Observatório Europeu Drogas e Toxicodependência (OEDT), o Dr. João Goulão foi um dos convidados a intervir na Conferencia Mundial sobre a Sida. Aguardamos para breve uma revisão às medidas implementadas em relação à Prevenção e ao Tratamento das dependências em Portugal

domingo, setembro 12, 2010

Menu de Escolhas - Pensamento Adictivo e o Pensamento em Recuperação






A Adicção é um fenómeno transversal à nossa sociedade consumista e moralista. Paradoxalmente, uma parte significativa da nossa cultura limita e restringe o tratamento e a recuperação da Adicção através de sistemas adaptativos (capacidade de responder ao meio de acordo com mudança de hábitos) e cumulativos, (modificações trazidas por uma geração que passam à geração seguinte) ex. tradições, preconceitos, estereótipos, crenças que reforçam a negação, a vergonha, o estigma e em último caso a recaída.


Enquanto crianças, não aprendemos a pensar em lista de opções (Menu Criativo). Aprendemos demasiados  Não (s), e dolorosamente, demasiados "Tens..." ou "Deves...". Aprendemos a reagir (acting out)[i] e a negar as emoções dolorosas e ou depender de pessoas e coisas de forma a satisfazer as necessidades básicas. Aprendemos a agradar aos nossos pais, às suas expectativas irreais e exigências relacionadas com o êxito. Aprendemos a agradar aos nossos professores e a seguir aquilo que está pensado pelos outros (instituído), antes de nós – o mesmo processo/medida aplica-se a todos. Mais tarde, procuramos o êxito a qualquer custo através do trabalho e do estatuto profissional. Aprendemos a tomar decisões já desactualizadas e retrógradas. Aprendemos a depender e acreditar, única e exclusivamente, em nós mesmos (mito), quando na realidade passamos a vida a depender de pessoas e coisas. Quando alguém destemido e aventureiro mostra intenção de investigar, explorar novas ideias e caminhos colocam-se rótulos insólitos, como se tratasse de um “vírus” ao status familiar e/ou cultural. Aprendemos a pensar mais naquilo que os outros pensam e dizem (sobre nós mesmos) e como devemos sentir, ao invés de explorar e reinventar as nossas próprias escolhas e Rumos – através do potencial individual e colectivo (humanidade).