terça-feira, outubro 07, 2008

PÁRA!! Faz Aquilo Que Digo. Já



Neste texto irei reflectir e promover a discussão aberta e sincera sobre um assunto que considero relevante na abordagem terapêutica junto de indivíduos com dependências (comportamentos adictivos). Não procuro ser carismático nem tendencioso, nem levantar polemicas sobre tratamentos / abordagens específicas ou certos profissionais, todavia penso que está na altura de rever a estratégia e o tratamento das dependências (individual, de grupo e famílias).
Desde 1992 trabalho na área do tratamento das dependências – comportamentos adictivos. Já acompanhei aproximadamente 700 indivíduos e os seus familiares.
Como profissional, admito que tenha utilizado inadvertidamente a confrontação autoritária, no passado, justificando a minha frustração – como a única “ferramenta”, existindo a probilidade de ter sido desrespeitoso, e em alguns casos ofendido os sentimentos de algumas pessoas.
A estratégia de confrontação adoptada na área das dependências emergiu sob a influencia de fortes factores culturais. Originalmente, praticada em comunidades (tratamento em regime de internamento de longa duração) para indivíduos dependentes de substâncias. Esta abordagem confrontacional cedo se expandiu a um tipo especifico de relacionamento profissional autoritário, que em muitos casos foi causador de vários tipos de abuso e desrespeito pelo indivíduo, pelos seus valores e princípios. È provável que existam relatos que confirmem o desrespeito, o abuso, principalmente em populações vulneráveis.
A abordagem centrada na confrontação era definida como um processo onde o terapeuta fornecia feedback directo e orientado para a realidade do paciente, não obstante as suas emoções e pensamentos. Esta comunicação variava entre a compaixão e a preocupação extrema e o desrespeito e a agressividade. Também se alternava no tempo, na intenção e na intensidade ao longo da relação terapêutica na instituição onde a intervenção ocorria. Esta abordagem foi encarada como uma abordagem necessária ao tratamento – a única “ferramenta”, o único tipo de linguagem conhecido e utilizado entre profissionais e os seus pacientes, dependentes de álcool e drogas.
O principal papel do terapeuta era corrigir os erros, combater a ilusão e a negação, assumir o comando, educar, quebrar o mecanismo de defesa e ser o elo de ligação entre a realidade do seu paciente. A mensagem expressa na sua essência era “Nós, profissionais, possuímos aquilo que tu precisas.” e a tarefa seria “Juntar as peças soltas do puzzle.”
Esta técnica de confrontação era essencialmente fundamentada em quatro princípios relacionados entre si:
1.       A dependência está enraizada num caracter imaturo, egocêntrico e num emaranhado mecanismo de defesa. No DSM II o alcoolismo e a dependência química eram classificados como um desordem de personalidade. Vernon Johnson (1973) afirmava “O alcoólico nega, rejeita qualquer tipo de ajuda. Mesmo que as circunstancias sejam as mais dramáticas. O alcoólico não está em contacto com a realidade”. Naquela altura, os profissionais acreditavam que os indivíduos dependentes de substancias psicoactivas eram incapazes de gerir as suas próprias vidas de uma forma responsável. Existia um défice no conhecimento e no discernimento profissional que funcionavam contra a mudança - estigma.
2.       Só é possível penetrar no emaranhado sistema de defesa - “concha protectora” do dependente de álcool e/ou drogas através de doses maciças de confrontação autoritária.
3.       Outras abordagens tradicionais de psicoterapia são completamente ineficazes quanto a penetrar na estrutura defensiva e capaz de modificar os defeitos de caracter dos dependentes.
4.       A confrontação verbal é a ferramenta mais eficiente capaz de provocar mudanças no comportamento do dependente de álcool e/ou drogas.




Muitas vezes, ainda se recorre á filosofia do “deita abaixo para depois pôr para cima.” Esta técnica revela-se ineficaz especialmente em indivíduos vulneráveis; ex. mulheres, indivíduos com duplo diagnostico e/ou com baixa auto estima. A criação de rótulos; ex. paceintes recaídos cronicos, desonestos e irresponsáveis que por variados factores não conseguem manter uma recuperação duradoura, todavia, continuam a ser admitidos nos mesmos centros de tratamento onde o tratamento que vão receber é o tradicional. È o indivíduo recaído que precisa de se adaptar ao plano de tratamento em vez do contrario. Após o tratamento se o indivíduo volta a recair reforça o rótulo, onde se desenvolve um conceito de auto-profecia, junto dos profissionais. Uma afirmação retrograda e clássica "Isto é para quem quer; não para quem precisa." 

Falsas afirmações entre profissionais de que o indivíduo ainda não chegou ao "fundo do poço" precisando para o efeito de continuar a consumir substancias: Para se recuperar das dependências é necessário motivação para o tratamento. "Ainda precisa de sofrer mais, pode ser que um dia queira recuperar"Ajudar o indivíduo e os seus familiares, recorrendo à combinação de estratégias que possam eventualmente visar outros objectivos e interesses, sem contemplar a mudança e a motivação. O fim (internamento) justifica os meios. Aplicação de programas de prevenção de recaída obsoletos ou sem qualquer fundamento cientifico e empírico. Alguns estudos também revelam que em instituições onde se utiliza a confrontação autoritária a media de abandonos e expulsões (drop-out) é elevada. Assim como as recaídas são mais frequentes e mais rápidas. Experiências pessoais de vergonha, culpa e humilhação encoraja o próprio status quo, mais vergonha, culpa e humilhação. Se o sofrimento resolvesse o problemas das dependências provavelmente não estaria hoje aqui a escrever sobre este assunto tão delicado, dado o sofrimento desta doença complexa.

Nos EUA, após 40 anos de aplicação da confrontação ainda não foram encontradas evidencias cientificas persuasivas que confirmem os efeitos positivos destas intervenções baseadas na confrontação no tratamento das dependências, pelo contrario. Resumindo, não existe e nunca existiu qualquer evidencia cientifica que comprove a utilização da terapia baseada na confrontação.

Ferramentas opostas à confrontação autoritária
O oposto á abordagem da confrontação autoritária é a abordagem empática. È uma parceria em que ambas as partes colaboram no processo de mudança e que acima de tudo respeita as competências e as capacidades do paciente. O direito inabalável e inquestionável da auto-determinação. Gostaria de terminar este texto fazendo um breve comentário a uma das Competencias-Chave mais valiosas no aconselhamento das dependências, refiro-me claro; à empatia. È um tipo de arte (art of counseling) que aparenta ser simples quando executada por alguém que possua essa competência. De facto, a empatia exacta, criativa e especifica é uma habilidade complexa se vai desenvolvendo e transformando através da pratica profissional - um processo de aprendizagem continuo. Segundo Carl Rogers, "A habilidade do aconselhamento mais determinante e eficiente consistia na capacidade de ouvir o paciente e reflectir o significado daquilo que diz" (Truax & Carkuff, 1967). Aquilo que é designado por ouvir activo. A actualização de estratégias e abordagens,  quer seja no tratamento em regime de internamento, quer ao aconselhamento (consultas individuais presenciais) são definitivamente mais eficazes quando acompanhadas de formação e supervisão clinica especifica na área das dependências. Espero sinceramente contribuir para uma discussão construtiva e saudável sobre o assunto em questão. 

“As pessoas mais felizes são aquelas que se preocupam genuinamente com as pessoas” David J. Powell Ph.D

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