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segunda-feira, maio 12, 2025

Contra o estigma no tratamento da adicção


 

«Estamos duas vezes armados se lutarmos com fé» Platão

Platão, segundo relatos e escritos da altura nasceu entre 427/428 a. C., em Atenas. Foi um filosofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga. Foi considerado a figura central na história do grego antigo e da filosofia ocidental, juntamente com o seu tutor Sócrates e seu pupilo Aristóteles. Platão ajudou a construir os alicerces da filosofia natural, da ciência e da filosofia ocidental e também tem sido frequentemente citado como um dos fundadores da religião ocidental, da ciência e da espiritualidade. (fonte Wikipédia).

Desde 1993, trabalho com indivíduos adultos com adicção (doença com fatores neuro-bio-psico-social), 1) a substâncias psicoativas geradoras de dependência, licitas (bebidas alcoólicas) ou ilícitas, e também trabalho com indivíduos com 2) adicção a comportamentos adictivos (exemplo, jogo patológico, ao sexo) e indivíduos que são adictos a 3) substancias psicoativas e ao mesmo tempo comportamentos aditivos e/ou perturbação mental (comorbilidade – diagnostico duplo  ou triplo). São várias centenas, talvez um milhar de indivíduos e nenhum deles, nem um, alguma vez mencionou o desejo de se tornar um adicto. De salientar as implicações, severidade, as consequências e sintomas da adicção – cada caso é único. Ficar doente é o resultado de um processo gradual, dinâmico e complexo. Também é verdade que ninguém fica adicto a substâncias psicoativas ou comportamentos de um dia para o outro. Contudo se alguém está preocupado com o seu comportamento impulsivo e repetitivo, seja com o consumo de drogas, incluindo o álcool, ou comportamentos, isso pode querer dizer que já tem um problema de adicção na sua vida, mas, mas isso não quer dizer que vá pedir ajuda, naquela altura, naquele momento, podem passar anos a fio até que a ajuda eficaz, direta ou indireta chegue.

Na sociedade, um dos fatores mais negativos relacionados com o tratamento da adicção é o estigma. Felizmente, comparativamente, com há trinta anos atras, hoje o estigma persiste e continua a fazer vítimas, mas aparenta estar mais “enfraquecido” devido aos avanços no tratamento, na informação dos meios sociais, no apoio psico social de várias instituições do estado e/ou privadas, no apoio de proximidade por parte dos profissionais e na informação disponível na internet. Convém realçar que apesar de evolução e dos avanços o estigma não desapareceu. Desde os seus primórdios, há milhares de anos atrás até à atualidade o estigma (as pessoas, as famílias e a sociedade) permanece ativo como uma doença, com marcas bem visíveis. Mudam-se os tempos, mas não se muda as vontades. Não são as pessoas de fracos recursos, os “alvos” prediletos, a adicção é um fenómeno transversal na sociedade, afeta “ricos”, pobres”, “pretos”, “brancos”, “mestiços” advogados ou mecânicos, etc.

Como é que se trata a doença da adicção, num contexto onde o estigma permanece ativo e a influenciar negativamente, pessoas, famílias, profissionais e instituições (sociedade)?

Como se combate o estigma que conduz ao isolamento, à doença (adicção) depressão, à separação, à vergonha e a negação?

Perante estas duas questões, iremos abordar o que é o estigma e como afeta pessoas, familiares, profissionais e instituições ligadas à prevenção, ao tratamento e á recuperação dos comportamentos adictivos-

O que é o estigma? Segundo o dicionário da Bertrand da Língua Portuguesa, entre os antigos gregos designava sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinária ou de mau acerca do estatuto moral de quem os apresentava. Tratava-se de marcas corporais feitas com cortes ou com o fogo que identificavam de imediato um escravo ou um criminoso. Por exemplo o conceito atual é mais amplo, considera-se estigmatizante qualquer característica, não necessariamente física ou visível que não se coaduna com o quadro das expectativas sociais acerca de determinado individuo. Referencias: Erving Goffman


Quando abordo o tema da adicção no tratamento e recuperação dos comportamentos, a maioria dos indivíduos e as suas famílias sente vergonha, culpa, isolamento, depressão e ressentimento – associado ao estigma. Estas pessoais sentem que são diferentes daquelas que estão, aparentemente, “perfeitamente integradas num sistema moral imaculado (sociedade) e que aqueles que carregam o “rotulo na testa”, “fazendo uma analogia com os antigos gregos, apresentam uma “marca” negativa. Quando indivíduos aparecem para o tratamento, assim como as suas famílias que os acompanham, é visível a vergonha, a raiva, a culpa. Após as primeiras sessões quando abordo o conceito de doença da Adicção (National Institute on Dug Abuse, American Society of Addicton Medicine, National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism) muitos referem uma sensação de alívio. Antes do tratamento a noção da realidade, era totalmente enviesada. Eram considerados e rotulados (identidade individual e identidade social) como toxicodependentes ou comportamentos desviantes ou marginais ou “ovelhas negras” ou “casos perdidos” e acarretava um rotulo, um diagnostico “desviante” para o resto da vida. Algumas famílias, afetadas pelo estigma, quando identificam um problema relacionado com comportamentos adictivos num dos seus membros, imediatamente “mobilizam-se, primeiro “esconder da vizinhança  e do resto da família o membro doente e segundo procuram os recursos para o tratamento com base nas dinâmicas e hierarquias familiares, isolando e fechando o segredo a “sete chaves”, mesmo que o ambiente seja perturbador para as crianças da família- Um antigo ditado popular afirmava: - “Aquilo que acontece cá em casa, mais ninguém pode saber…segredo absoluto” e acrescento, mesmo que o ambiente familiar esteja caótico.

No discurso sociológico, o conceito de estigma assume quase sempre o significado que Erving Goffman (1922-82) lhe atribuiu na obra Stigma - Notes on the Management of Spoiled Identity, de 1963. O termo estigma, entre os antigos gregos, designava "sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou de mau acerca do estatuto moral de quem os apresentava”. Todas as sociedades definem categorias acerca dos atributos considerados naturais, normais e comuns do ser humano - o que Goffman designa por identidade social virtual. O indivíduo estigmatizado é aquele cuja identidade social real inclui um qualquer atributo que frustra as expectativas de normalidade.

 

Indicadores de Estigma em Comportamentos Adictivos e Saúde Mental

Indicadores Individuais – autoconceito e o estigma

Sentimentos de vergonha e culpa por ser dependente de substâncias psico ativas licitas ou ilícitas e/ou doença mental.

Vergonha e recusa em receber tratamento, medo de critica alheia

Baixa autoestima e autoconceito negativo/enviesado ("sou fraco", "não tenho controlo").

Negação, resistência ou ambivalência da doença devido a estereótipos e preconceitos (em relação ao estatuto social), exemplo: "ser dependente é marginal" ou “não é de confiança” ou “pessoa fraca”

Indicadores Interpessoais

Tratamento discriminatório de familiares, colegas de trabalho ou amigos, por exemplo, exclusão social, rejeição ou isolamento.

Atribuição moralista ao comportamento adictivo, por exemplo" falta de caráter", "é escolha, não doença".

Associação do indivíduo à conduta marginal, conflito, imoralidade ou instabilidade. Por exemplo, "não é de confiança… nunca será”.

Separação, divórcio de vínculos afetivos após diagnóstico psiquiátrico, consequências comportamentais moralmente reprováveis ou internamento para tratamento em regime de internamento.

Indicadores Institucionais

Negligência, desrespeito pelos direitos do doente (falta de ética profissional) ou recusa de atendimento em serviços de saúde por parte de instituições (política de atendimento e tratamento) e profissionais.

Atendimento desumanizado ou com reduzida empatia em serviços de saúde mental.

Falta de investimento público em políticas de reabilitação e inclusão para individuo consumidores de substâncias psicoativas. Por exemplo, inexistência de psicólogos, conselheiros, assistentes sociais (equipas multidisciplinares)

Inexistência de diagnósticos apropriados e atualizados (Por exemplo, Addiction Society of Addiction Medicine Patient Placement Criteria )

Prognósticos (rótulos) que, erradamente atribuem a “culpa” ao utente justificando assim o insucesso. Por exemplo “Ele ou Ela são uns recaídos. Não querem tratar-se…não vale a pena.” Critério de exclusão do tratamento.

As dependências de substâncias psico ativas, os comportamentos adictivos e a doença mental são excluídos ou não existe prioridade para estratégias de intervenção, prevenção, tratamento e recuperação na saúde publica. Ausência de vontade, enviesamento e estigma por parte dos líderes políticos.

Indicadores Estruturais e Culturais

Enviesamento nos meios de comunicação social. Por exemplo, individuo dependente é um criminoso. É um caso de polícia, estes “tipos” deviam ir parar à cadeia”.

Legislação retrograda e punitiva em vez de políticas de saúde. Por exemplo, “guerra às drogas e aos consumidores.”

Níveis elevados de absentismo e conflitos no meio laboral. Perturbações mentais e indivíduos adictos permanecem no desemprego de longa duração.

Reduzida aderência aos planos de reinserção social antes e depois de tratamento.

Um dos fatores de redução do estigma na sociedade acontece quando figuras publicas importantes/influenciadores decidem recorrer aos meios de comunicação social e expõem a doença mental ou adicção (substâncias ou comportamentos) ao publico. São excelentes embaixadores/defensores do tratamento e recuperação. Alguns casos de atores, atrizes, artistas, desportistas estrangeiros mundialmente conhecidos defensores do tratamento e recuperação contra o estigma, a vergonha e a negação; Tiger Woods, Bill Clinton, Anthony Hopkins, Robert Downey Jr, Samuel L. Jackson, Jamie Lee Curtis, Bradley Cooper, Helton John, Erick Clapton, Demi Lovato, Drew Barrymore, Keith Urban, Daniel Radcliffe, Russel Brand, Brad Pitt, Eminem e alguns portugueses que você deve conhecer. Contra o estigma é mais seguro se seguirmos a dica de Platão, «Estamos duas vezes armados se lutarmos com fé».  

National Institute on Drug Abuse - https://nida.nih.gov/

American Society of Addiction Medicine - https://www.asam.org/

National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism - https://www.niaaa.nih.gov/

Narcóticos Anónimos Portugal - https://na-pt.org/index.php/pt/

Alcoólicos Anónimos Portugal - https://www.aaportugal.org/

 

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