Considero oportuno, visto alguns milhares de portugueses atravessarem
tempos conturbados de desconfiança, de desespero, de reflexão, abordar um
assunto polémico e ambíguo. Refiro me ao dinheiro e aos distúrbios a ele
associados na nossa sociedade. São os momentos difíceis, de dor e privação que
influenciam (aprendizagem) o nosso comportamento, refiro á relação entre o
sofrimento e a motivação para mudança. Se nada muda; tudo fica na mesma.
Dependemos do dinheiro. Não podemos prescindir dele, assim
como acabamos por permitir que nos influencie, cada caso um caso, seja de uma
forma negativa (ex. ganância e cobiça) ou positiva (integridade, decência)
sobre as nossas atitudes e acções. Podemos desenvolver uma relação de amor e
ódio, parece ser um assunto tabu recheado de falsas crenças e mitos. Na minha
opinião, o problema não é o dinheiro; mas sim aquilo que as pessoas pensam e
fazem com o ele. Recordo um caso de uma pessoa que afirmava “Na minha
família, ninguém podia mostrar dinheiro vivo, deve permanecer oculto –
circulava debaixo da mesa.”
Qual é o comportamento das pessoas perante o dinheiro ou a
falta de dele, numa cultura que promove e incentiva o consumo e o estatuto,
associado ao prestigio, ao sucesso e ao poder?
Tenho constatado que o dinheiro e os comportamentos
adictivos são temas transversais na nossa sociedade. Precisamos de dinheiro
para viver e algumas pessoas precisam de dinheiro (extra) para
"alimentar" a sua adicção activa ao longo das suas vidas, sejam
substâncias (drogas lícitas, incluindo o álcool e a nicotina, ou ilícitas) e/ou
comportamentos adictivos (jogo, compras - shopaholics,
trabalho, sexo, distúrbio alimentar, shoplifting
- furto). Nesta “indústria da adicção”, anualmente milhões de euros são
despendidos em drogas (licitas e ilícitas), álcool, sexo, jogo, trabalho,
furtos, compras e comida, assim como milhares de pessoas estão envolvidas direta
e/ou indiretamente nesta problemática/adicção activa. De que forma a sociedade
e a cultura são influenciadas pelas dependências associadas ao dinheiro
(capital)? Os fins, obter prestigio, estatuto e sucesso financeiro, justificam
os meios, pouco convencionais e/ou ilícitos?
Todos nós conhecemos alguém que apresenta uma incapacidade
em gerir responsavelmente os seus recursos financeiros, mas podemos não saber
qual a raiz do problema. Pode retirar dinheiro do seu ordenado, pedir dinheiro
emprestado, enganar ou rouba de forma a manter a sua adicção activa -“Não olha
a meios para atingir os fins.”
Naturalmente, os problemas financeiros são uma consequência
da adicção activa, obviamente para se recuperar, mudança de estilo de vida
(MEV), é importante a fim de reaprender a gerir competências e a gerar recursos
saudáveis. Refiro-me não só ao indivíduo adicto que engana ou rouba, mas também
aquele que patrocina esses mesmos recursos financeiros, exemplo, a mãe, marido
e a mulher, namorada e a namorado, a avó e o neto, e assim sucessivamente. Aquele
individuo que gasta mais dinheiro do que aquele que realmente possui pode
tornar-se um óptimo “contador de histórias”.
- O dinheiro é a principal fonte de problemas nos primeiros
anos de casamento (Oggins, 2003) e uma área de conflito entre casais (Dortch,
1994).
- Um inquérito realizado nos EUA, em que participaram 1.001
adultos, 40% admitiram que já tinham mentido sobre uma ocasião onde efetuaram uma
compra se revelarem ao seu parceiro/a (Medintz, 2004).
- Descobriu-se que a pressão associada ao dinheiro reduz
significativamente o nível de satisfação nos relacionamentos íntimos e/ou
românticos (Vinokur, Price e Caplan, 1996). Agrava os sintomas de depressão,
afecta negativamente a performance em áreas distintas do indivíduo,
assim como a gestão das emoções e saúde (Price, Choi e Vinokur, 2002). Os
problemas financeiros também têm um impacto negativo no desempenho profissional
(Grensing e Pophal, 2002).
- Num inquérito efectuado pela Associação Americana de
Psicologia revela que 80% dos Americanos afirmam que a economia e o dinheiro
são a maior fonte de pressão/stress elevado
nas suas vidas – com um aumento de 14% desde Abril de 2008 – ex. através de
hipotecas das suas casas e carros, penhoras, cartões de crédito.
Em Portugal, também sofremos do mesmo problema. Gastamos
mais dinheiro do que, realmente possuímos nas nossas contas bancarias. Na nossa
sociedade adquirir dinheiro recorrendo a várias formas de patrocínio/crédito é
interpretado como algo perfeitamente normal. O mesmo acontece ao adicto às
compras, às drogas, ao jogo, ao sexo, etc., enquanto a vida lhe corre de feição
e usufrui do prazer imediato, da fantasia e da ilusão - “pedrada” - não só não
pede, como rejeita qualquer tipo de apoio para o seu problema de comportamento.
Para agravar ainda mais a situação só pede ajuda, de forma a ser “salvo”,
quando perde o controlo e surgem as consequências negativas – crises
exacerbadas sucessivas, problemas financeiros, dívidas.
Paralelamente, a este processo disfuncional, onde o tema
central é o dinheiro, os patrocinadores/credores também sofrem
consequências semelhantes é um círculo destrutivo e altamente penalizador para
ambas as partes. Desde o tipo que pede moedas no parque de estacionamento
aquele que gasta o dinheiro do seu ordenado, e ao fim de quinze dias, recorre
ao “crédito alheio” para “alimentar” a sua adicção activa.
Alguns milhares de portugueses são afectados por
comportamentos disfuncionais associados ao dinheiro e representa um problema serio
e crónico nas suas vidas, as crianças também são afectadas. Este tipo de
distúrbio identifica-se através de crenças, condutas (padrão) disfuncionais e
insanas capazes de gerar comportamentos patológicos.
Observam-se por ex problemas sociais e/ou ocupacionais,
pressão excessiva e uma incapacidade de usufruir de uma forma saudável dos
recursos financeiros (Klontz et al, 2008). Alguns sintomas encontrados nestas
patologias são por ex. ansiedade, perda de controlo, preocupação excessiva e/ou
desespero acerca da situação financeira, inexistência de plano de poupanças,
dividas excessivas, rutura financeira, hipotecas, problemas familiares e legais
em que a base deste distúrbio é a relação do individuo com o dinheiro. Em muitos
casos, estas patologias associados ao dinheiro apresentam características
compulsivas e adictivas.
- Enquanto os distúrbios de comportamento associados ao
dinheiro estão totalmente enraizadas na cultura, em termos clínicos - a área da
investigação e estudo das doenças mentais não tem feito o suficiente de forma a
diagnosticar e tratar este tipo patologias (Trachtman, 1999; Munford e Weeks,
2003).
- Segundo Trachtman (1999) este distúrbio é talvez o mais
ignorado na literatura, na prática clínica e treino na psicoterapia.
Como profissionais, estamos à-vontade em discutir
abertamente este assunto com os nossos clientes e proporcionar-lhes o
discernimento e a orientação que necessitam?
Hoje abordamos o trabalho compulsivo (workaholism) e nos próximos textos irei abordar alguns distúrbios
(comportamentos adictivos) associados à relação disfuncional que desenvolvemos
com o dinheiro; compras compulsivas, dependência financeira e facilitação
financeira (patrocinador).
Trabalho Compulsivo (Workaholism)
Este termo surgiu nos EUA nos anos 60 e em Portugal em
meados dos anos 90. Ainda não se encontra difundido, em termos de diagnóstico e
tratamento.
O trabalho compulsivo (workaholism)
é encarado como um comportamento perfeitamente normal e encorajado pela família
e amigos, até ao dia que o individuo vai parar às urgências de um hospital ou
após uma discussão acesa em casa apercebesse de que negligenciou a educação dos
filhos e/ou a relação com o/a parceiro/a em prol do trabalho.
Normalmente este distúrbio é passado de geração em geração
(pais para filhos). Estes indivíduos utilizam o trabalho para lidarem com as
suas emoções “privadas” dolorosas e com a inadequação. Aparentam sentir-se
inadequados em relações íntimas e de compromisso. Durante o período de trabalho
intensivo e compulsivo, os seus cérebros produzem doses elevadas de adrenalina,
após este período de desassossego e frenesim intenso atingem a “falência”, a
ruptura física e emocional ex. exaustão, baixa auto-estima, ansiedade e
depressão (completamente esgotados). Ficam incapazes de se relacionar com as
outras pessoas. De forma a evitar estas emoções “privadas” dolorosas reiniciam
novamente outro ciclo de devoção excessiva e frenesim no trabalho. Os
indivíduos com estes distúrbios ficam completamente emergidos no trabalho
durante estes ciclos; não lhes resta energia emocional (disponibilidade) para a
vida familiar ou apoiar o desenvolvimento e educação dos filhos. Em muitos casos,
o tempo que resta para estar na companhia dos filhos procuram incutir crenças e
padrões irreais, inatingíveis e rígidos (perfeccionismo e a importância do
estatuto, prestigio e poder associado ao dinheiro). As crianças desenvolvem
sentimentos de inadequação e falhanço (vergonha tóxica), podendo seguir as
pegadas dos seus pais, procuram compensar estas emoções “privadas” dolorosas
através do excesso de trabalho, devoção às coisas materiais ou outros
comportamentos adictivos ex drogas, incluindo o álcool, jogo patológico,
relacionamentos disfuncionais. Qual é o limite saudável no desempenho profissional?
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