sábado, maio 02, 2009

As Dependências associadas ao dinheiro




Considero oportuno, visto alguns milhares de portugueses atravessarem tempos conturbados de desconfiança, de desespero, de reflexão, abordar um assunto polémico e ambíguo. Refiro me ao dinheiro e aos distúrbios a ele associados na nossa sociedade. São os momentos difíceis, de dor e privação que influenciam (aprendizagem) o nosso comportamento, refiro á relação entre o sofrimento e a motivação para mudança. Se nada muda; tudo fica na mesma.

Dependemos do dinheiro. Não podemos prescindir dele, assim como acabamos por permitir que nos influencie, cada caso um caso, seja de uma forma negativa (ex. ganância e cobiça) ou positiva (integridade, decência) sobre as nossas atitudes e acções. Podemos desenvolver uma relação de amor e ódio, parece ser um assunto tabu recheado de falsas crenças e mitos. Na minha opinião, o problema não é o dinheiro; mas sim aquilo que as pessoas pensam e fazem com o ele. Recordo um caso de uma pessoa que afirmava “Na minha família, ninguém podia mostrar dinheiro vivo, deve permanecer oculto – circulava debaixo da mesa.”

Qual é o comportamento das pessoas perante o dinheiro ou a falta de dele, numa cultura que promove e incentiva o consumo e o estatuto, associado ao prestigio, ao sucesso e ao poder?
Tenho constatado que o dinheiro e os comportamentos adictivos são temas transversais na nossa sociedade. Precisamos de dinheiro para viver e algumas pessoas precisam de dinheiro (extra) para "alimentar" a sua adicção activa ao longo das suas vidas, sejam substâncias (drogas lícitas, incluindo o álcool e a nicotina, ou ilícitas) e/ou comportamentos adictivos (jogo, compras - shopaholics, trabalho, sexo, distúrbio alimentar, shoplifting - furto). Nesta “indústria da adicção”, anualmente milhões de euros são despendidos em drogas (licitas e ilícitas), álcool, sexo, jogo, trabalho, furtos, compras e comida, assim como milhares de pessoas estão envolvidas direta e/ou indiretamente nesta problemática/adicção activa. De que forma a sociedade e a cultura são influenciadas pelas dependências associadas ao dinheiro (capital)? Os fins, obter prestigio, estatuto e sucesso financeiro, justificam os meios, pouco convencionais e/ou ilícitos?
Todos nós conhecemos alguém que apresenta uma incapacidade em gerir responsavelmente os seus recursos financeiros, mas podemos não saber qual a raiz do problema. Pode retirar dinheiro do seu ordenado, pedir dinheiro emprestado, enganar ou rouba de forma a manter a sua adicção activa -“Não olha a meios para atingir os fins.”

Naturalmente, os problemas financeiros são uma consequência da adicção activa, obviamente para se recuperar, mudança de estilo de vida (MEV), é importante a fim de reaprender a gerir competências e a gerar recursos saudáveis. Refiro-me não só ao indivíduo adicto que engana ou rouba, mas também aquele que patrocina esses mesmos recursos financeiros, exemplo, a mãe, marido e a mulher, namorada e a namorado, a avó e o neto, e assim sucessivamente. Aquele individuo que gasta mais dinheiro do que aquele que realmente possui pode tornar-se um óptimo “contador de histórias”.

  • O dinheiro é a principal fonte de problemas nos primeiros anos de casamento (Oggins, 2003) e uma área de conflito entre casais (Dortch, 1994).
  • Um inquérito realizado nos EUA, em que participaram 1.001 adultos, 40% admitiram que já tinham mentido sobre uma ocasião onde efetuaram uma compra se revelarem ao seu parceiro/a (Medintz, 2004).


  • Descobriu-se que a pressão associada ao dinheiro reduz significativamente o nível de satisfação nos relacionamentos íntimos e/ou românticos (Vinokur, Price e Caplan, 1996). Agrava os sintomas de depressão, afecta negativamente a performance em áreas distintas do indivíduo, assim como a gestão das emoções e saúde (Price, Choi e Vinokur, 2002). Os problemas financeiros também têm um impacto negativo no desempenho profissional (Grensing e Pophal, 2002).
  • Num inquérito efectuado pela Associação Americana de Psicologia revela que 80% dos Americanos afirmam que a economia e o dinheiro são a maior fonte de pressão/stress elevado nas suas vidas – com um aumento de 14% desde Abril de 2008 – ex. através de hipotecas das suas casas e carros, penhoras, cartões de crédito. 

Em Portugal, também sofremos do mesmo problema. Gastamos mais dinheiro do que, realmente possuímos nas nossas contas bancarias. Na nossa sociedade adquirir dinheiro recorrendo a várias formas de patrocínio/crédito é interpretado como algo perfeitamente normal. O mesmo acontece ao adicto às compras, às drogas, ao jogo, ao sexo, etc., enquanto a vida lhe corre de feição e usufrui do prazer imediato, da fantasia e da ilusão - “pedrada” - não só não pede, como rejeita qualquer tipo de apoio para o seu problema de comportamento. Para agravar ainda mais a situação só pede ajuda, de forma a ser “salvo”, quando perde o controlo e surgem as consequências negativas – crises exacerbadas sucessivas, problemas financeiros, dívidas.

Paralelamente, a este processo disfuncional, onde o tema central é o dinheiro, os patrocinadores/credores também sofrem consequências semelhantes é um círculo destrutivo e altamente penalizador para ambas as partes. Desde o tipo que pede moedas no parque de estacionamento aquele que gasta o dinheiro do seu ordenado, e ao fim de quinze dias, recorre ao “crédito alheio” para “alimentar” a sua adicção activa.

Alguns milhares de portugueses são afectados por comportamentos disfuncionais associados ao dinheiro e representa um problema serio e crónico nas suas vidas, as crianças também são afectadas. Este tipo de distúrbio identifica-se através de crenças, condutas (padrão) disfuncionais e insanas capazes de gerar comportamentos patológicos.

Observam-se por ex problemas sociais e/ou ocupacionais, pressão excessiva e uma incapacidade de usufruir de uma forma saudável dos recursos financeiros (Klontz et al, 2008). Alguns sintomas encontrados nestas patologias são por ex. ansiedade, perda de controlo, preocupação excessiva e/ou desespero acerca da situação financeira, inexistência de plano de poupanças, dividas excessivas, rutura financeira, hipotecas, problemas familiares e legais em que a base deste distúrbio é a relação do individuo com o dinheiro. Em muitos casos, estas patologias associados ao dinheiro apresentam características compulsivas e adictivas.

  • Enquanto os distúrbios de comportamento associados ao dinheiro estão totalmente enraizadas na cultura, em termos clínicos - a área da investigação e estudo das doenças mentais não tem feito o suficiente de forma a diagnosticar e tratar este tipo patologias (Trachtman, 1999; Munford e Weeks, 2003). 
  • Segundo Trachtman (1999) este distúrbio é talvez o mais ignorado na literatura, na prática clínica e treino na psicoterapia.

Como profissionais, estamos à-vontade em discutir abertamente este assunto com os nossos clientes e proporcionar-lhes o discernimento e a orientação que necessitam?
Hoje abordamos o trabalho compulsivo (workaholism) e nos próximos textos irei abordar alguns distúrbios (comportamentos adictivos) associados à relação disfuncional que desenvolvemos com o dinheiro; compras compulsivas, dependência financeira e facilitação financeira (patrocinador).

Trabalho Compulsivo (Workaholism)

Este termo surgiu nos EUA nos anos 60 e em Portugal em meados dos anos 90. Ainda não se encontra difundido, em termos de diagnóstico e tratamento.
O trabalho compulsivo (workaholism) é encarado como um comportamento perfeitamente normal e encorajado pela família e amigos, até ao dia que o individuo vai parar às urgências de um hospital ou após uma discussão acesa em casa apercebesse de que negligenciou a educação dos filhos e/ou a relação com o/a parceiro/a em prol do trabalho.

Normalmente este distúrbio é passado de geração em geração (pais para filhos). Estes indivíduos utilizam o trabalho para lidarem com as suas emoções “privadas” dolorosas e com a inadequação. Aparentam sentir-se inadequados em relações íntimas e de compromisso. Durante o período de trabalho intensivo e compulsivo, os seus cérebros produzem doses elevadas de adrenalina, após este período de desassossego e frenesim intenso atingem a “falência”, a ruptura física e emocional ex. exaustão, baixa auto-estima, ansiedade e depressão (completamente esgotados). Ficam incapazes de se relacionar com as outras pessoas. De forma a evitar estas emoções “privadas” dolorosas reiniciam novamente outro ciclo de devoção excessiva e frenesim no trabalho. Os indivíduos com estes distúrbios ficam completamente emergidos no trabalho durante estes ciclos; não lhes resta energia emocional (disponibilidade) para a vida familiar ou apoiar o desenvolvimento e educação dos filhos. Em muitos casos, o tempo que resta para estar na companhia dos filhos procuram incutir crenças e padrões irreais, inatingíveis e rígidos (perfeccionismo e a importância do estatuto, prestigio e poder associado ao dinheiro). As crianças desenvolvem sentimentos de inadequação e falhanço (vergonha tóxica), podendo seguir as pegadas dos seus pais, procuram compensar estas emoções “privadas” dolorosas através do excesso de trabalho, devoção às coisas materiais ou outros comportamentos adictivos ex drogas, incluindo o álcool, jogo patológico, relacionamentos disfuncionais. Qual é o limite saudável no desempenho profissional?

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