sábado, abril 04, 2009

Partilha/Testemunho


“Olá! Sou a Catarina (nome fictício) e vou aqui deixar o meu testemunho sobre Anorexia/Bulimia e a minha Recuperação.
Tenho 23 anos, sou do Algarve e desde os 13 anos que sofro desta problemática.

Desde que me lembro nunca me aceitei e sempre me achei inferior aos outros e “gorda”.

Mas isto veio a piorar quando o “senhor de vermelho” apareceu, o meu corpo, como o de qualquer mulher começou a alargar e eu comecei a entrar em paranóia.
A minha vida girava em torno de pensamentos sobre a gordura e a comida e já antes pela tenra idade não tinha sido capaz de deixar de comer. Até ao dia que decidi que era desta, se emagrecesse eu ia ser feliz, então deixei de comer.

Passava os dias a leite, água e pastilhas elásticas. Em pouco tempo, começaram a notar-se os quilos a desaparecer e a ficar mais feliz. A verdade é que nunca fui gorda, o meu peso máximo era de 59 quilos para 1,65m de altura.

Enfim, lá emagreci e parecia que tudo corria bem. Nesta altura, mudei de escola, de amigos e numa de afirmação comecei a fumar charros. A doença ainda não tinha afectado a minha vida social e eu fazia-o para agradar os outros.

Com os charros, voltaram os quilos a mais. Passava os dias “ganzada[i]” e deixei de pensar no meu corpo, comia e depois sentia me culpada, mas o mais importante eram as “ganzas[ii]”, e voltei a engordar.

No ano a seguir depois de ir para o Liceu voltei a sentir me horrível e muito gorda, até pensava que o rapaz de quem gostava não gostava de mim porque era gorda, etc.



Voltei a deixar de comer, mas desta vez a serio. Não comia as refeições, só fruta, iogurtes e comecei aos poucos a isolar-me no meu “mundo”. Vivia obcecada com a comida e não pensava em mais nada, apesar de a rejeitar.

Em poucos meses, voltei a emagrecer aquilo que tinha ganho e algo mais, não tinha objectivos concretos ou realistas, não tinha um peso estipulado, aquilo que mais queria era emagrecer cada vez mais.

Um dia, não aguentava mais a fome e a privação, lembrei-me que podia vomitar apesar de todo o nojo que isso me fazia sentir. Comecei a vomitar de vez em quando, depois diariamente e até faze-lo varias vezes ao dia foi um ápice.
Estava nas “teias da doença”. Antes de iniciar os “rituais” do vómito, nos jantares de amigos, só aparecia no final, também evitava os jantares de família, depois, quando comecei a vomitar, aconteceu o “milagre”, porque podia frequentar os jantares como as outras pessoas, depois livra-me de tudo o ingeria.

Começou a ser um hábito. Não pensava em parar e ate trouxe “felicidade” ao menos podia fazer tudo que desejava na mesma.

Ate ao dia que a minha mãe descobriu e levou me ao psiquiatra. Começaram os planos alimentares, os anti-depressivos - foi a minha “receita” - mas de pouco valeu, pois não queria parar nem conseguia, tinha horror em engordar e ainda me dava mais gozo ir às consultas e ter perdido peso.

Isto prolongou-se durante 3 anos ( escolares/Liceu) e aos 18 anos depois de ter entrado em desespero e já não me suportar, tive que pedir ajuda. O meu corpo começava a ressentir, problemas intestinais, estômago e os dentes numa miséria.
Depois de ter experimentado tudo o que podia, psicólogos, psiquiatras, consultas no Hospital de S. Maria, acupunctura, etc., etc...

Rendi-me e pedi para me internarem porque sozinha não era capaz. Fui parar a um centro de tratamento de 12 passos, mais conhecido nos tratamentos de alcoolismo e toxicodependência. Ao inicio foi um choque mas com o tempo fui me identificando com as pessoas que lá estavam e senti me compreendida pela 1ºvez.

Fiquei e fiz 12 semanas de primária e 16 de half way[iii]. Na minha opinião, foi tempo a mais de tratamento, mas a verdade é que nunca me tinha sentido tão bem, como quando lá estive. A partir do dia em que cheguei a tratamento não vomitei, estava decidida a curar-me. Descobri que para além de anoréctica e bulimia eu era adicta. Algo que nunca tinha ouvido falar mas que me fez sentido.

O mais complicado disto tudo foi mesmo voltar a comer e não vomitar pois já estava numa fase que ate a água que bebia vomitava.

Passaram-se os 7 meses de tratamento e regressei a casa. Ao fim de três meses recai. Saí mal com o centro e não tive apoio nenhum.
Depois voltei a beber de novo e ate à minha vida voltar ao mesmo inferno de antes, foi um “pulinho”.

Passaram-se 4 anos e eu de novo nas “teias” da doença. “Orgias” de comida , bebedeiras de morte eram o meu dia a dia.

Tentei de tudo de novo, terapias naturais, psiquiatras, psicólogos, geográficas, mas de nada me valeu. Estava de novo no “fundo do poço”[iv].

Engordei 16 quilos, foi um verdadeiro “pesadelo”. Experimentei todo o tipo de dietas e nada. Ate que aceitei que outro tratamento que deveria ser a única coisa que me podia salvar. Pedia ajuda à minha mãe e na semana a seguir estava a ser admitida em tratamento. Manipulei a coisa, afirmando “Não estou assim tão mal, como antes, só precisava de 1 mês para me por bem, novamente”.

Fui para tratamento de novo e com o tempo fui-me apercebendo que estava tão mal como antes, só que desta vez mais virada para a bulimia. Em vez de 1 mes fiquei 2 meses e meio e sai há 1 semana e meia.

Hoje sinto me muito bem, acordo de manhã com vontade de viver. Faço uma alimentação equilibrada e perdi uns bons quilos, não sei quantos, porque não me peso. Consegui descobrir-me a nível interior, uma forma mais “profunda”, permiti-me mudar e hoje sinto-me feliz e muito grata a todos aqueles que me ajudaram e à vida por me ter dado outra oportunidade e por ter deixado o sol brilhar de novo para mim.
SO POR HOJE NAO USO COMIDA NEM ALCOOL EM CIMA DE SENTIMENTOS E NAO LIMITO O MEU CEREBRO A ESTES PENSAMENTOS. E JA LA VAO ALGUMAS 24 HORAS ;)

[i] “Ganzada”- jargão/termo utilizado para definir um individuo que está sob o efeito de drogas, neste caso de cannabinoides
[ii] “Ganzas” – jargão/termo utilizado para definir doses/drogas-cannabinoides
[iii] Halfway – contexto terapêutico (apartamento) direccionado para a reinserção social
[iv] “Fundo do poço” – jargão/termo utilizado para descrever o limite máximo psicológico/físico de sofrimento associado à doença.
Comentario: Os meus agradecimentos pela participação e admiração pela coragem da Catarina no "Recuperar É Que Esta a Dar". Uma historia actual e comum a muitas raparigas e rapazes. Ela partilha connosco os efeitos negativos da sua doença, assume e reconhece o seu problema perante si mesma e os outros e agora procura a sua recuperação (mudança de estilo de vida saudavel).
Um grandioso BEM HAJA e votos de uma recuperação sólida e duradoura - "Um dia de cada vez."

1 comentário:

Anónimo disse...

Em tempos, frequentei grupos de "Comedores Compulsivos" no estrangeiros, que foram e contiuam a ser de grande utilidade.
Já então, a recomendação de abstinência incluia a eliminação de TODO o açucar e produtos refinados.
O açucar (refinado)é uma droga!
Tem de ser tratado como tal!