Sabemos que a abstinência é só o primeiro passo para interromper a relação com as substancias psico-activas (álcool ou outras drogas liícitas e/ou ilícitas) e/ou comportamentos (jogo, sexo, relações, compras, furto, e certo tipo de alimentos). Podemos ser muito inteligentes, não é disso que se trata, visto a adicção ser uma doença e sabemos que é muito difícil recuperar sozinho.
Para fazer o luto, em primeiro lugar, é preciso sentir as emoções dolorosas. È preciso sentir a dor. Algo que já é conhecido e familiar, mas que sempre se evitou, negou ou procurou fugir através do consumo de drogas e/ou comportamentos adictivos. Quem gosta de sofrer? Quem gosta de sentir dor? Provavelmente ninguém.
Não é possível resolver todos os problemas e obter os resultados desejados de imediato, mesmo que já tenha iniciado o processo de abstinência. Recordo alguns adictos que logo após o início da sua abstinência, desenvolverem expectativas irreais sobre como seria a sua realidade familiar. Pensavam “Bem, agora que já fiquei abstinente mereço ter a liberdade que sempre desejei. Ter os recursos financeiros suficientes para ser autónomo, ter a relação com a pessoa que sempre desejei, ter o carro, o emprego, etc....”. Muitos familiares também alimentam essas falsas crenças desdobrando-se em esforços e sacrifícios para satisfazer esses mesmos desejos, ex. comprar carros novos, preocuparem-se exageradamente, procurando empregos para os filhos, pagamento de dívidas. Faz lembrar o soldado que regressa da guerra e é recebido, por todos, como um herói. É o centro das atenções. Na recuperação da adicção, essas expectativas disfuncionais podem proporcionar um falso sentido e propósito, através da facilitação e proteção. É importante, para o adicto adaptar-se, aceitar a realidade e enfrentar as dificuldades do presente e as consequências passado, no aqui-e-agora, através da entrega. Obviamente, que a abstinência não é fácil, se alguém afirmar o contrário, está a mentir.
Em recuperação é preciso fazer adaptações a um novo modo de vida. Mudar comportamento e atitudes que deterioraram todo um sistema, individual, familiar e social, de princípios e valores universais, por ex. onde antes existia a mentira é preciso repor a verdade e a honestidade, onde antes existia a manipulação e a chantagem é preciso definir limites e compromisso nas relações, onde antes existia a hostilidade e a agressão é preciso comunicar e negociar com justiça e lealdade. Nesse sentido, é importante reconstruir e reparar os danos, um dia de cada vez. È a este processo de aprendizagem e conquistas individuais, de avanços e recuos, que chamo Entrega.
- Entrega não significa deixar de preocupar, significa definir limites nas relações. "Não posso fazer pelo outro aquilo que cabe ele ou ela fazer."
- Entrega não é evitar ou fugir, mas realizar que não é possível controlar as outras pessoas.
- Entrega não é encobrir nem facilitar, mas permitir que se aprenda que cada comportamento tem uma consequência natural.
- Entrega é admitir a impotência, significa que "Preciso de fazer o meu trabalho mas os resultados, a curto, a médio e a longo prazo, não estão nas minhas mãos."
- Entrega não é tentar mudar ou culpar os outros, mas fazer mais por nós próprios. Somos os únicos responsáveis pelos nossos sentimentos e comportamentos.
- Entrega é valorizar o interior (coração/espirito) de cada um, menos o exterior (aparências, máscaras). Abdicar da tendência para avaliar o nosso interior pelo exterior dos outros.
- Entrega não é fazer pelo outro, mas mostrar que ele também é capaz.
- Entrega não é criticar ou julgar, mas permitir ao outro que seja ele mesmo. Não somos todos iguais é necessário e urgente valorizar as diferenças – criar sinergias.
- Entrega não é ser o centro das atenções e das decisões, mas permitir aos outros que sejam eles próprios a delinear o seu próprio destino – propósito e sentido da vida.
- Entrega não é ser protector ou facilitador, mas conceder aos outros a oportunidade de encarar a realidade.
- Entrega não é negar, mas aceitar.
- Entrega não é criticar e/ou punir mas identificar as nossas imperfeições e procurar corrigi-las. Estar aberto à mudança de atitudes e comportamentos (flexibilidade e reciprocidade).
- Entrega não é ajustar pessoas, lugares e coisas aos meus próprios desejos, mas adaptar à realidade e aos factos da vida (principalmente, às coisas dolorosas e difíceis) e ser flexível, humilde, honesto e ter compaixão.
- Entrega não é arrepender do passado, mas viver no presente e crescer para o futuro. É ok, cometer erros.
- Entrega é ter menos medo e amar mais!”
- Entrega e deixa ser Ele/Ela (este conceito é individual. É um sentimento de ligação a uma força superior imaterial , não religioso sem dogmas e ou divindades) a tratar dos resultados”
Ele/Ela meu amigo/a, como me pode ignorar!?. Todavia, em vez de o deixar em paz a trabalhar sózinho, andei à sua volta a tentar arranjar as coisas à minha maneira. Finalmente, cansado, agarrei-me a Ele desiludido e desesperado e perguntei. “Como pudeste ser tal negligente e desinteressado a resolver aquilo que eu mais desejava? Meu querido, disse Ele, o que é que eu poderia fazer? Mas tu nunca entregaste.” Autor desconhecido
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