"Querida adicção, podes ter destruido o meu passado, no presente sinto dor, mas não permito que interfiras com o meu futuro."
Durante um período significativo o tema sexo está presente nas nossas vidas. É uma componente da intimidade, do romance, da sedução nas relações, vai para além da própria reprodução. Durante o acto sexual vale tudo, umas pessoas são mais conservadoras enquanto outras correm mais risco (aumentar o prazer sexual). O sexo é como a comida, existem imensos pratos de todo o tipo e ao gosto de cada um. No sexo vale tudo desde que seja consentido, respeitoso, com limites, prazeroso e proporcione intimidade a cada um dos parceiros. Na adicção ao sexo, seja praticado de que maneira for é sempre gerador de sofrimento, vergonha, desrespeito, falta de consenso, ansiedade, limites e em alguns casos, abuso. Na nossa sociedade, o tema sexo, ainda é conservador, machista e repleto de preconceitos e tabus.
Ao longo da
minha experiência profissional algumas caraterísticas dos indivíduos adictos ao
sexo (homens adictos de idades entre os 26 e os 45 anos) alguns são também dependentes
de substâncias ilícitas e sexo compulsivo (masturbação, pornografia, sedução,
jogos psicológicos – “caça à presa”, aumento do desejo intenso no envolvimento
em relações românticas na busca do prazer imediato - paixão romântica e
acting-out – “Será amor ou adicção”, alívio da tensão e ansiedade). Também já
acompanhei indivíduos adictos ao sexo sem outra dependência. O sexo funciona
como um “amortecedor” para gerar alívio da ansiedade (pressão), da obsessão e
da frustração. É do conhecimento geral que o sexo é uma fonte natural de
recompensa e prazer no ser humano. Para a recuperação, indivíduos dependentes e
família o tratamento da adicto ao sexo representa sempre um grande desafio.
Pelo estigma, pela vergonha e perda da motivação para a mudança. Um número significativo
de homens, não considera a obsessão e a compulsão pelo sexo um problema, pelo
contrário consideram-se “play boys” ou “garanhões”. Existem vários tipos de adicções: 1) a
substâncias psicoactivas do sistema nervoso central e 2) a comportamentos
adictivos que exigem abordagens diferentes no tratamento – cada caso é um caso.
Existem indivíduos que apresentam uma predisposição (neuro.bio.psico.social) para o comportamento impulsivo, gratificação imediata, procura de sensações extremas através de comportamentos de risco/perigo em que o sexo é a componente principal, tal como acontece com outro tipo de comportamentos adictivos. Este tipo de comportamentos pode afectar e modificar o funcionamento do cérebro. Estes indivíduos estão vulneráveis e negligenciam a monitorização (estado de alerta) dos seus comportamentos de risco, por exemplo, definição de limites nos relacionamentos românticos e alguns indivíduos adictos ao sexo identificam dificuldades em distinguir a diferença entre o sexo saudável do sexo compulsivo. Gostaria também de acrescentar que existem indivíduos que apresentam comorbilidade (diagnósticos duplos e triplos). Refiro-me na dependência a drogas e álcool, jogo e sexo. Distúrbio alimentar, sexo e ansiedade extrema. Sexo, compras compulsivas e perturbações do humor. A maioria dos indivíduos adictos ao sexo são indivíduos perfeitamente integrados na sociedade, membros de família, trabalham ou possuem carreiras profissionais de êxito e ocupam lugares de poder.
Felizmente,
a investigação sobre o efeito da doença da adicção e o cérebro (estruturas
responsáveis pelo prazer/recompensa) tem revelado progressos positivos sobre
esta doença. Por exemplo, as consequências negativas no cérebro em relação aos
circuitos neuro cognitivos, que envolvem a motivação, a memória, a atenção, tomada
de decisões e a incapacidade para inibir a impulsividade ou o craving (desejo
intenso). Tal como já referi, a ciência tem feito alguns avanços no estudo do
cérebro (neurociências) permitindo assim avançar no diagnóstico, no tratamento
e na recuperação das dependências (Doença da Adicção). Ao contrário do que se
afirmava, no fim dos anos 80 início dos anos 90, atrás o problema das
dependências; drogas lícitas, incluindo o álcool, as ilícitas, jogo, sexo,
compras, trabalho era um vício (problema moral, pecado, fraqueza, delinquência,
estigma, negação).
Quando
nascemos somos o resultado da evolução humana ao longo de milhões de anos. Como
recém-nascidos, nascemos com o potencial desta evolução, e ao longo do
desenvolvimento estamos expostos a um conjunto de adversidades que vão moldar e
interferir no rumo das nossas escolhas. Ao longo deste processo as dependências
podem ser despoletadas como uma resposta à pressão, à predisposição (por
exemplo genética) e ao trauma. A doença da adicção parece ser um fenómeno,
transversal na sociedade, que veio para ficar, de mãos dadas com o consumismo, os
interesses económicos, a competição desenfreada, ausência de afectos nas
relações familiares e sociais, valores e competências (violência doméstica e
abuso de crianças).
Segundo o Dr.
Patrick Carnes, especialista americano que tem estudado a Adicção ao Sexo os
adictos ao sexo apresentam 3 características em comum que corroboro:
Uma história
de abuso nas suas vidas. 1) 97% dos adictos ao sexo referem um historial de
abuso emocional, 2) 83% dos adictos ao sexo referem um historial de abuso
sexual e 3) 71% dos adictos ao sexo referem um historial de abuso físico.
Algumas características em comum nos comportamentos adictivos
desencadeiam e despoletam o agir nos sentimentos (acting out / agir nas
emoções, nas memorias inconscientes do passado e as pessoas - perda do
controle). Por exemplo, a masturbação compulsiva, relacionamentos na procura “caçador
e presa” (imaginação, excitação e estimulação sexual) entre heterossexuais e/ou
homossexuais, voyeurismo, exibicionismo, pedofilia.
Os adictos
ao sexo que recorrem a ajuda profissional são indivíduos do sexo masculino com
idades entre os 37 e os 50 anos. Sou contactado pela família quando existem
crises agudas consecutivas. Exemplos, descobrem-se os relacionamentos de infidelidade,
esgotam-se os alibis, promessas quebradas (juras, desculpas), prostituição,
pornografia ( internet), denuncias de outros familiares ou vizinhos, problemas
com a lei, abuso de crianças, doenças sexualmente transmissíveis (HIV). A
progressão da doença da adicção ao sexo nos indiviudos é reforçada com a
racionalização, a negação, a ilusão (fantasia), justificação que alimenta os
comportamentos (vida dupla) a pornografia, violência doméstica, a prostituição
e o abuso. Recordo um caso, em que a esposa desconfiava que algo não estava
bem, na relação com o esposo a nível sexual. Um dia decidiu aderir a várias
plataformas online de encontros românticos para investigar, depois de umas
horas de busca, para seu espanto descobriu uma fotografia/perfil do marido numa
das plataformas online. A interrupção do comportamento adictivos e o contacto
com a realidade, através do início do tratamento pode ser extremamente doloroso.
Observei um indivíduo completamente descompensado psicológicamente com
alucinações, paranoia, episódios de pânico e tentativas de suicídio.
A base do modelo
de tratamento assenta numa base psicossocial, holística e nos 12 Step
Facilitation, oriundo dos Alcoólicos Anónimos. Reforça o conceito de doença –
bio.psico.social (crónica, primaria e progressiva). É uma doença, cujo
indivíduo, apresenta um padrão repetitivo (obsessivo e compulsivo) e a adicção
é a preocupação nº 1, isto é, a sua vida gira em torno da sua adicção (ciclo
vicioso). Por exemplo, o adicto ao sexo busca (estado permanente de alerta e
busca) nos seus relacionamentos sociais de forma a encontrar uma “vítima” ou
fantasia sexual que alimente a sua Ilusão (doença). Gostaria de realçar que a interrupção
do padrão repetitivo, disfuncional e destrutivo é possível, através da ajuda
profissional, e iniciar a recuperação. Também destaco o recurso da Internet
(Terapia Online) onde observo uma aderência significativa, visto ser efetuada
em qualquer lugar (casa, trabalho, escritório, ferias, hospital, etc)
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