quinta-feira, agosto 10, 2023

A adicção ao sexo manifesta-se através da perda do controlo


 "Querida adicção, podes ter destruido o meu passado, no presente sinto dor, mas não permito que interfiras com o meu futuro."

Durante um período significativo o tema sexo está presente nas nossas vidas. É uma componente da intimidade, do romance, da sedução nas relações, vai para além da própria reprodução. Durante o acto sexual vale tudo, umas pessoas são mais conservadoras enquanto outras correm mais risco (aumentar o prazer sexual). O sexo é como a comida, existem imensos pratos de todo o tipo e ao gosto de cada um. No sexo vale tudo desde que seja consentido, respeitoso, com limites, prazeroso e proporcione intimidade a cada um dos parceiros. Na adicção ao sexo, seja praticado de que maneira for é sempre gerador de sofrimento, vergonha, desrespeito, falta de consenso, ansiedade, limites e em alguns casos, abuso. Na nossa sociedade, o tema sexo, ainda é conservador, machista e repleto de preconceitos e tabus.

Ao longo da minha experiência profissional algumas caraterísticas dos indivíduos adictos ao sexo (homens adictos de idades entre os 26 e os 45 anos) alguns são também dependentes de substâncias ilícitas e sexo compulsivo (masturbação, pornografia, sedução, jogos psicológicos – “caça à presa”, aumento do desejo intenso no envolvimento em relações românticas na busca do prazer imediato - paixão romântica e acting-out – “Será amor ou adicção”, alívio da tensão e ansiedade). Também já acompanhei indivíduos adictos ao sexo sem outra dependência. O sexo funciona como um “amortecedor” para gerar alívio da ansiedade (pressão), da obsessão e da frustração. É do conhecimento geral que o sexo é uma fonte natural de recompensa e prazer no ser humano. Para a recuperação, indivíduos dependentes e família o tratamento da adicto ao sexo representa sempre um grande desafio. Pelo estigma, pela vergonha e perda da motivação para a mudança. Um número significativo de homens, não considera a obsessão e a compulsão pelo sexo um problema, pelo contrário consideram-se “play boys” ou “garanhões”.  Existem vários tipos de adicções: 1) a substâncias psicoactivas do sistema nervoso central e 2) a comportamentos adictivos que exigem abordagens diferentes no tratamento – cada caso é um caso.

Existem indivíduos que apresentam uma predisposição (neuro.bio.psico.social) para o comportamento impulsivo, gratificação imediata, procura de sensações extremas através de comportamentos de risco/perigo em que o sexo é a componente principal, tal como acontece com outro tipo de comportamentos adictivos. Este tipo de comportamentos pode afectar e modificar o funcionamento do cérebro. Estes indivíduos estão vulneráveis e negligenciam a monitorização (estado de alerta) dos seus comportamentos de risco, por exemplo, definição de limites nos relacionamentos românticos e alguns indivíduos adictos ao sexo identificam dificuldades em distinguir a diferença entre o sexo saudável do sexo compulsivo. Gostaria também de acrescentar que existem indivíduos que apresentam comorbilidade (diagnósticos duplos e triplos). Refiro-me na dependência a drogas e álcool, jogo e sexo. Distúrbio alimentar, sexo e ansiedade extrema. Sexo, compras compulsivas e perturbações do humor. A maioria dos indivíduos adictos ao sexo são indivíduos perfeitamente integrados na sociedade, membros de família, trabalham ou possuem carreiras profissionais de êxito e ocupam lugares de poder.

 

Felizmente, a investigação sobre o efeito da doença da adicção e o cérebro (estruturas responsáveis pelo prazer/recompensa) tem revelado progressos positivos sobre esta doença. Por exemplo, as consequências negativas no cérebro em relação aos circuitos neuro cognitivos, que envolvem a motivação, a memória, a atenção, tomada de decisões e a incapacidade para inibir a impulsividade ou o craving (desejo intenso). Tal como já referi, a ciência tem feito alguns avanços no estudo do cérebro (neurociências) permitindo assim avançar no diagnóstico, no tratamento e na recuperação das dependências (Doença da Adicção). Ao contrário do que se afirmava, no fim dos anos 80 início dos anos 90, atrás o problema das dependências; drogas lícitas, incluindo o álcool, as ilícitas, jogo, sexo, compras, trabalho era um vício (problema moral, pecado, fraqueza, delinquência, estigma, negação).  

Quando nascemos somos o resultado da evolução humana ao longo de milhões de anos. Como recém-nascidos, nascemos com o potencial desta evolução, e ao longo do desenvolvimento estamos expostos a um conjunto de adversidades que vão moldar e interferir no rumo das nossas escolhas. Ao longo deste processo as dependências podem ser despoletadas como uma resposta à pressão, à predisposição (por exemplo genética) e ao trauma. A doença da adicção parece ser um fenómeno, transversal na sociedade, que veio para ficar, de mãos dadas com o consumismo, os interesses económicos, a competição desenfreada, ausência de afectos nas relações familiares e sociais, valores e competências (violência doméstica e abuso de crianças).

Segundo o Dr. Patrick Carnes, especialista americano que tem estudado a Adicção ao Sexo os adictos ao sexo apresentam 3 características em comum que corroboro:

Uma história de abuso nas suas vidas. 1) 97% dos adictos ao sexo referem um historial de abuso emocional, 2) 83% dos adictos ao sexo referem um historial de abuso sexual e 3) 71% dos adictos ao sexo referem um historial de abuso físico.

 Algumas características em comum nos comportamentos adictivos desencadeiam e despoletam o agir nos sentimentos (acting out / agir nas emoções, nas memorias inconscientes do passado e as pessoas - perda do controle). Por exemplo, a masturbação compulsiva, relacionamentos na procura “caçador e presa” (imaginação, excitação e estimulação sexual) entre heterossexuais e/ou homossexuais, voyeurismo, exibicionismo, pedofilia.

Os adictos ao sexo que recorrem a ajuda profissional são indivíduos do sexo masculino com idades entre os 37 e os 50 anos. Sou contactado pela família quando existem crises agudas consecutivas. Exemplos, descobrem-se os relacionamentos de infidelidade, esgotam-se os alibis, promessas quebradas (juras, desculpas), prostituição, pornografia ( internet), denuncias de outros familiares ou vizinhos, problemas com a lei, abuso de crianças, doenças sexualmente transmissíveis (HIV). A progressão da doença da adicção ao sexo nos indiviudos é reforçada com a racionalização, a negação, a ilusão (fantasia), justificação que alimenta os comportamentos (vida dupla) a pornografia, violência doméstica, a prostituição e o abuso. Recordo um caso, em que a esposa desconfiava que algo não estava bem, na relação com o esposo a nível sexual. Um dia decidiu aderir a várias plataformas online de encontros românticos para investigar, depois de umas horas de busca, para seu espanto descobriu uma fotografia/perfil do marido numa das plataformas online. A interrupção do comportamento adictivos e o contacto com a realidade, através do início do tratamento pode ser extremamente doloroso. Observei um indivíduo completamente descompensado psicológicamente com alucinações, paranoia, episódios de pânico e tentativas de suicídio.

A base do modelo de tratamento assenta numa base psicossocial, holística e nos 12 Step Facilitation, oriundo dos Alcoólicos Anónimos. Reforça o conceito de doença – bio.psico.social (crónica, primaria e progressiva). É uma doença, cujo indivíduo, apresenta um padrão repetitivo (obsessivo e compulsivo) e a adicção é a preocupação nº 1, isto é, a sua vida gira em torno da sua adicção (ciclo vicioso). Por exemplo, o adicto ao sexo busca (estado permanente de alerta e busca) nos seus relacionamentos sociais de forma a encontrar uma “vítima” ou fantasia sexual que alimente a sua Ilusão (doença). Gostaria de realçar que a interrupção do padrão repetitivo, disfuncional e destrutivo é possível, através da ajuda profissional, e iniciar a recuperação. Também destaco o recurso da Internet (Terapia Online) onde observo uma aderência significativa, visto ser efetuada em qualquer lugar (casa, trabalho, escritório, ferias, hospital, etc)

 


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