A perda de
um ente querido ou a mudança “radical” de estilos de vida e a dor associada,
são temas transversais à sociedade. Sabemos da existência de tradições,
rituais, regras, atitudes e comportamentos que adotamos a fim de carpir a perda
e a dor. Contudo, persistem mitos e tabus sobre a regulação das emoções e a dor.
Por exemplo, existem indivíduos, nos períodos de perda e dor, buscam o alívio e
o alheamento no consumo de substâncias psicoativas, vulgo drogas, incluindo o álcool
e/ou adotam comportamentos repetitivos, geradores de dependência, cujo intuito
é o alívio imediato.
A perda e a dor são reações, indícios à perda de um ente querido ou mudança significativa
na vida de uma pessoa (por exemplo, divórcio). Gostaria de referir que os
indivíduos, homens e mulheres, dependentes de substâncias psicoativas, vulgo
drogas, incluindo o álcool, assim como os comportamentos adictivos são afetados
por este fenómeno, especialmente, quando iniciam o tratamento. Conheço centenas
e centenas de pessoas que iniciaram o tratamento e nenhuma delas alguma vez
pensou, apesar de terem consciência da existência de um problema grave, que
mudar as atitudes e comportamentos (estilo de vida) fosse algo tão desafiante e exigente
no compromisso, na confiança, na esperança, na motivação e persistência e na
fé. Ao longo da progressão da adicção o individuo está exposto e vulnerável a
situações de abuso emocional e/ou traumático (perda e dor)
Sentir a
perda e a dor é condição para avançar na recuperação.
O tratamento psicossocial e espiritual
contempla a abordagem à MUDANÇA. Para recuperar é preciso que o individuo
contemple o desafio de enfrentar-se a si próprio, à perda e à dor, à mudança de
estilos/hábitos/comportamentos na sua vida, existe o passado e barreiras a
serem destruídas e substituídas por pontes para o presente ( e o futuro). Tudo
isto, na prática, representa um desafio enorme, uma motivação musculada, tempo
para reflexão e introspeção. Tenho sido testemunha, a nível profissional, de
indivíduos que se re-inventam e adquirem competências que jamais sabiam da sua
existência. A grande maioria das pessoas que é admitido em tratamento, seja em
regime de internamento ou ambulatório, encontra-se descrente, resistente,
assustado porque houve tentativas anteriores que fracassaram e consequências
negativas muito dolorosas, em si próprio, na família, incluindo as crianças, e
na sociedade. Recordo um caso, o Carlos (nome fictício), 40 anos, adicto ao
sexo de longa duração, chegou a tratamento em regime de internamento,
acompanhado pelos pais e irmã. Foi efetuada a admissão do Carlos, entretanto a
família despediu-se dele e foram embora do Centro de Tratamento. Nessa noite,
os restantes pacientes que estavam em tratamento não conseguiram dormir, porque
o Carlos, confrontado com a sua atual realidade, descompensou, a nível
psicológico (ansiedade extrema, ataques de pânico, etc.) foi necessária uma
intervenção médica para o acalmar. Foi possível acalma-lo no momento, mas as
crises e a descompensação psicológica mantiveram-se durante várias semanas. A
adaptação do Carlos a um novo estilo de vida foi muito dolorosa (mudança)
Fases da
perda segundo a Dra. Elizabeth Kubler-Ross (Livro “On Death and Dying”)
Negação –
recusa do falecimento, recusa da mudança. Recusa em abordar o assunto e o evitasse
o diálogo. Afirmações e recusa da realidade – perda e dor. Qualquer fonte
informação sobre o tópico é desacreditada e/ou evitada.
Raiva –
culpa-se o profissional de saúde por negligência e não ter prevenido tal o
desfecho do problema/doença/falecimento. Culpa-se os membros de família por
falta de apoio e cuidado. Ficar zangado com Deus/Poder Superior por tal
desfecho da doença. Ficar extremamente zangado consigo próprio ou sentir-se
culpado pelo falecimento ou adicção. Elevado estado de mau humor ou facilmente
perder a paciência e a tolerância.
Negociação –
“Se eu tratasse do problema mais cedo nada disto tinha acontecido.” Ou “Se eu
procurasse ajuda profissional, com antecedência, a situação podia ter de ser
diferente.” “Se eu estivesse mais atento e mais presente, teria reparado que
alguma coisa não estava a correr bem.” “Deus/Poder Superior traz o meu ente
querido de volta, juro que nunca mais sou egoísta ou ganancioso.”
Depressão – sentimentos
de tristeza profunda, isolamento, falta de energia. Perda de interesse em
atividades ou hobbies que normalmente gosta. Alterações de sono, insónias.
Alterações de peso. Agitação, tensão. Sentimentos de culpa ou vergonha. Baixa
autoestima. Perda da concentração e sentido. Nestas situações, sentimentos de
tristeza profunda e depressão são aceitáveis, como parte do processo, contudo
se estes sintomas se prolongarem por mais de um ano o luto pode desencadear uma
perturbação emocional associada à perda e dor.
Aceitação –
o processo de perda, dor e luto decorre, ao ritmo de cada individuo, e adaptando-se
de acordo com a realidade. Aceita e sente a perda (transformação) embora a
aceitação implique vários tipos de interpretação. O processo da aceitação é um
continuum, celebra-se o significado da vida, enquanto o ente querido esteve
vivo ou a abstinência/recuperação da adicção, como um renascimento para um
estilo de vida mais saudável e com um propósito. Celebram-se as memorias e as
experiências vividas (são guardadas e relembradas).
Viver até ao
dizer adeus.
Em pleno
seculo XXI, graças aos avanços no estudo da natureza do ser humano, na
investigação das doenças e dos tratamentos, é possível mitigar, reduzir e mesmo
em alguns casos, eliminar o sofrimento. Todavia, nunca será possível eliminar a
dor. A dor é uma reação emocional catalisadora do ser humano e do seu universo
espiritual, capaz de despertar a resiliência. Sentir a dor, representa o
desafio e o estágio final (nesta fase do processo do luto resta apenas a fé) do
crescimento emocional e da própria consciência de si e do mundo – Roda da Vida.
Perder
alguém querido ou passar por uma mudança significativa na vida pode ser uma
experiência extremamente dolorosa e desafiadora. A dor da perda é única para
cada pessoa e pode se manifestar de diferentes maneiras - tristeza, raiva,
negação, confusão e uma sensação de vazio são sentimentos comuns nesses
momentos.
É importante
permitir-se sentir e processar essas emoções, pois reprimi-las pode prolongar o
processo de luto. O apoio de amigos, familiares ou profissionais qualificados é
fundamental para atravessar esse período difícil. Compartilhar lembranças,
falar sobre o que está sendo sentido e buscar ajuda quando necessário são
passos importantes para lidar com a perda e a dor.
Embora a dor
da perda nunca desapareça completamente, com o tempo e cuidado adequado, é
possível encontrar formas de honrar a memória da pessoa que patiu e reconstruir
a vida, adaptando-se à mudança. Lembre-se de que é normal sentir-se perdido e
vulnerável, e que é fundamental ser gentil consigo mesmo durante esse processo
delicado de cura emocional. Em recuperação da adicção, aprende-se, com a
experiência e o tempo, a fazer a regulação das emoções, aprende-se a
identificar as crenças, convicções e sentimentos, a escuta-los e compreende-los
(alguns sentimentos são resultado de viés emocional, cognitivos geradores de
ruido) como se tratasse de uma peregrinação, o caminho faz-se caminhando, de
acordo com um propósito (neste caso contempla-se a floresta, em vez da árvore).
«Tenho uma notícia
boa e outra má. A notícia má, nunca mais voltarás a ser o mesmo. Nunca mais,
nunca mais. Existirá sempre um vazio, por preencher dentro de ti. Perdes-te uma
filha. Nada poderá substituir a perda. A boa noticia, assim que aceitares a notícia
má e permitires a ti próprio sofrer a perda e a dor, permites que a tua filha
visite a tua mente, irás recordar todo o amor e alegria que ela conheceu e
viveu.» Retirado e adaptado do filme «Wind River» de Taylor Sheridan.
Sem comentários:
Enviar um comentário