quarta-feira, maio 04, 2011

A Dor crónica, a Culpa e a Adicção: Uma triangulação indesejada






Na maioria dos casos, quando uma família ou relacionamento de intimidade romântico (casal/parceiros) é afectado, pelas consequências negativas da Adicção activa, sejam substancias psicoactivas licitas, incluindo o álcool, e/ou ilícitas, jogo, sexo, distúrbio alimentar, shoplifting, codependência, ocorrem dinâmicas (atitudes e comportamentos) disfuncionais, entre os seus membros, que afectam o equilibro da relação, dos limites, dos papeis e dos afectos. Todos, sem excepção, são afectados pela dor aguda e adoptam uma postura defensiva no relacionamento uns aos outros, por ex. através da culpa. Procura-se um culpado pelo problema. Por ex. alguém na hierarquia família é culpado. Um mais do que outro, alguém tem de ser culpado e “castigado” pela causa do problema e pelas suas consequências. É perfeitamente legítima esta turbulência.


Sabemos que a dor é comum a todos os seres vivos. É um mecanismo de sobrevivência. Funciona como um sistema de alerta que é accionado quando algo está errado e possa comprometer a integridade física e/ou emocional. Se não sentíssemos dor não estaríamos vivos. Podemos classificar a dor em duas categorias 1. Dor Aguda é consequência do trauma, do ferimento, do insulto e pode ser reciclada, de duração limitada, através de um efeito curativo e transformador de competências (experiencia empírica). Aprende-se com isso, a vida continua 2. Dor Crónica persiste no tempo para além do fortuito produzindo sofrimento frequentemente intolerável capaz de assumir diversos tipo de manifestações físicas e/ou psicológicas. A Dor Crónica compromete seriamente a qualidade de vida.


E quando a Adicção activa persiste, no seio das relações entre as pessoas, apesar dos esforços em contrário? Quando a dor aguda se transforma em dor crónica? O papel da dor crónica é insidioso no círculo familiar ou na relação de intimidade romântica, é uma componente central do relacionamento, fazendo uma analogia com um filme de longa-metragem ou peça dramática. A dor crónica revela-se mais difusa para os indivíduos não adictos que apresentam os seus próprios sintomas e mecanismos disfuncionais. A preocupação fulcral é atenuar a dor e/ou encontrar curas. Existe um infindável numero de emoções na família ou parceiro/a, dependendo do papel e do relacionamento. Estas emoções controlam as atitudes e os comportamentos por ex. através da frustração, do ressentimento, autopiedade, vergonha e do isolamento social.

Todos se culpam pela causa do problema, mas adoptando perspectivas diferentes, seja individualmente ou em subgrupos. Adopta-se a atitude de “braço de ferro” onde cada um procura “lançar culpas” para controlar a situação e aliviar-se do peso da dor, com as melhores das intenções evocando valores morais e as mais variadas soluções.

A Dra Claudia Black refere que “ A família é um organismo complexo composto por diversas partes que compõem o todo”. Este todo, complexo, funciona quando as partes estão sintonizadas. Nos comportamentos adictivos activos a dor crónica exige alterações e adaptações, em muitos casos radicais, sacrificando o equilíbrio das relações. Conheço uma família desesperada que pensou que resolvia o problema de adicção do filho se fossem morar para outra zona do país, um caso de um casal que decidiu casar, com a aprovação dos pais, pensando que resolviam o problema da adicção de um deles. Este tipo de “soluções mágicas” e ineficazes fazem parte do imaginário, das fantasias e são uma consequência da dor crónica. A solução/cura a qualquer custo.

Os culpados e a dor crónica
A culpa saudável está relacionada com a quebra de regras, limites, papeis, afectos e valores morais impostos pelos tais organismos complexos; família e/ou relação romântica de forma funcionar em equilíbrio. De forma implícita e ou explicita todos são responsáveis por manter esse equilíbrio, caso contrario aquele que quebrar as regras pode ser imediatamente acusado, com afirmações do tipo “Porque é que fizeste isso? A culpa é tua.” Ou “Como foste capaz de fazer uma coisa destas? Magoaste-me…” “ Achas que aquilo que fizeste está certo? Nunca mais te vou perdoar…”

Parece existir uma tendência generalizada e uma predisposição moral para culparmos os outros. Acreditamos que se encontrarmos o culpado os problemas serão resolvidos e estaremos a controlar a situação. Na Adicção, a minha experiencia profissional diz que não é bem assim. E quando o suposto culpado não o único responsável e pode estar a ser o “bode expiatório”? Quando o culpado não assume a culpa e nega as evidências? Quando o suposto culpado não consegue resolver o problema em questão, pelo contrário ainda o piora? Estão criadas as condições para a dor crónica e a culpa generalizada.

Nos comportamentos adictivos existem situações particulares onde a dor crónica e a culpa podem assumir uma proporção desmesurada e disfuncional, capaz de interferir e usurpar todas as referências positivas e talentos nas relações (ex. desconfiança, codependência, ressentimento, violência). Chamo de culpa generalizada, quando as pessoas se centram somente no(s) problema(s), e atacam as pessoas, em vez de se centrarem nas soluções e nas responsabilidades de cada um. A culpa generalizada está presente na dor crónica e pode revelar-se um entrave à recuperação, em vez de ser uma ferramenta para a mudança, é uma arma de acusação, humilhação e controlo. Porque é que se culpa de uma forma excessiva, mesmo quando o resultado não surte o efeito desejado? Será que a responsabilização, ao invés da culpa generalizada e do facilitismo, controlo será o veículo para a mudança? Ao culpar estaremos a purgar a pena, em nós mesmos, e desejamos ouvir promessas que suavizem a dor crónica?

A Recuperação da culpa generalizada
Defina o seu papel na relação e a responsabilidade de cada um. A relação é um trabalho de equipa. Qual o limite da culpa saudável?

Na Adicção não existem culpados e a culpa não é a solução.

Quebre a Regra do Silêncio (não fala, não sente e não confia). Procure verbalizar e esclarecer melhor o seu problema, com objectividade e com pessoas significativas. Não ataque as pessoas.

Oiça (activo) a experiencia e a perspectiva dos outros. Evite ficar defensiva/o e o isolamento social. Você não é um caso único.

Assuma que precisa de fazer adaptações na relação, nos papéis e limites. Seja honesta/o com os seus sentimentos, por ex utiliza esta expressão com frequencia “Se realmente gostasse de mim, nunca farias uma coisa destas”.

Não minimize ou maximize. Monitorize a autopiedade e o ressentimento.

Recue perante a irresistível tentação para controlar o outro. Estará a agir nos seus sentimentos de inadequação, rejeição, baixa auto estima.










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