Ao longo do meu trajeto profissional, desde 1993, escuto utentes
motivados para recuperar (mudar) dos comportamentos adictivos, apesar da
impotência e da perda do controlo, consequência da adicção (dependência de
drogas lícitas ou ilícitas, incluindo o álcool, jogo patológico, sexo
compulsivo, perturbação do comportamento alimentar, dependência
emocional,
videojogos, Internet) que colocam questões, com toda a legitimidade, sobre o
tipo de tratamento mais adequado. É perfeitamente legitimo terem duvidas e/ou
questões, todavia, as repostas não são de acordo com as suas expectativas e
naturalmente, possuem a predisposição para ficarem resistentes ou ambivalentes.
Quem é que gosta de mudar de atitudes e comportamentos? O ser humano foge da
mudança.
Ao contrario do que acontecia há vinte anos atrás, atualmente existe
imensa informação, mas os mitos e tabus teimam em persistir sobre a adicção, ao
longo dos anos, atribui-se a causa do comportamento adictivo ao stress, ao esposo/a, “às companhias”,
problema de infância, período atribulado (separação/divorcio, desemprego,
doença), trauma, conflitos familiares. Quando pensamos na causa e no tratamento
da adicção, tudo isso, representa apenas uma parte do problema. Os próprios
investigadores e terapeutas seniores não encontram um consenso sobre esta matéria.
Na realidade, quando pretendemos tratar indivíduos doentes da
adicção somos conduzidos para um universo muito mais complexo; refiro-me aos fatores
neurológicos, biológicos, psicológicos e sociais. Atualmente, graças aos
avanços tecnológicos (ressonância magnética) é possível compreender as
implicações da adicção no cérebro – modelo de
doença (estrutura
cerebral responsável pela motivação, memoria, atenção/controlo e recompensa/prazer).
Paralelamente, aos avanços tecnológicos, no plano das teorias do comportamento sabemos
graças ao
Project Match, estudo patrocinado
pela
National Institute on Alcohol Abuse
and Alcoholism (
Treatment Research
Branch), nos EUA (desde 1989 a 1994) a seleção/eleição de três modelos comprovados
no tratamento: 1 Entrevista Motivacional 2 Terapia Cognitiva Comportamental e 3.
Twelve Step Facilitation (oriunda
dos 12 Passos dos Alcoólicos Anónimos), mesmo assim e apesar dos esforços, dos avanços
e/ou teorias ainda não existem comprimidos, receitas, profissionais ou abordagens
terapêuticas milagrosas que funcionem para todos da mesma maneira, vulgo cura.
Talvez esta seja uma das razões para a existência teimosa dos tabus e mitos.
Cada caso é um caso e o utente é que faz o trabalho em recuperar da adicção,
nesse sentido, como profissionais, precisamos de saber como compreender, apoiar
e orientar. Anteriormente, como
profissionais, pensávamos que a inadequação do utente diante a teoria/modelo de
tratamento era devido à sua negação – “Ainda não bateu no fundo…ainda tem que sofrer
mais.”. Atualmente, pensamos que a inadequação, vulgo “negação” do utente pode
estar no modelo que apresentamos, porque os utentes, embora impotentes,
continuam a querer mudar o comportamento problema/adicção. Recordo alguns
casos, de utentes que acompanhei, em “negação”, mais tarde encontrei-os com
vidas saudáveis; segundo eles, recorreram a outros profissionais ou
instituições e outros conseguiram faze-lo sozinhos, certamente acompanhados por
familiares. Estes encontros serviam para questionar, refletir e pensar na minha
abordagem sobre a motivação e a mudança de comportamentos adictivos; estes
encontros foram verdadeiras lições transformadoras.