sábado, novembro 08, 2008

A Mulher e as Dependências




Ao longo da minha experiencia profissional tenho procurado averiguar sobre os factores que contribuem para que algumas mulheres sejam afectadas pelas dependências, refiro-me às substâncias lícitas adictivas (ansioliticos, benzodiazepinas barbitúricos, anfetaminas, analgésicos, etc.) incluindo o álcool e as ilícitas (cocaína, heroína) e quais os factores que as motivam a pedir ajuda profissional e iniciarem a sua recuperação.

Por exemplo, para as mulheres alcoólicas a vergonha e a negação são os obstáculos mais óbvios a ultrapassar. Para a maioria das mulheres que se debatem com dependências não procuram ajuda, porque não encontram urgência para receber apoio profissional (tratamento) e sentem-se envergonhadas e abafadas pelo seu problema. Na nossa sociedade, a imagem do alcoólico está profundamente associado ao homem. Nunca à mulher. Aparenta existir um enorme estigma associado ao alcoolismo e/ou dependência das drogas na mulher. Por vezes, o alcoolismo na mulher é utilizado em anedotas e brincadeiras ridículas. Parece não ser levado a serio.

Não procuram ajuda porque ficam ansiosas e com medo sobre aquilo que os seus amigos/as, membros de família, incluindo os filhos/as, colegas de trabalho podem pensar. Em muitos casos não sabem o suficiente sobre o conceito de doença associado às drogas adictivas (licitas e/ou ilícitas) incluindo o álcool. Muitas mulheres combinam álcool com drogas lícitas. Estas combinações são altamente adictivas e perigosas (morte).



Segundo um estudo efectuado nos EUA os principais factores associados ao consumo de bebidas alcoólicas, nas mulheres, estão associados ao stress, (escapar à pressão e procura do alivio rápido e imediato) no trabalho, aos problemas nos relacionamentos e família. Também podem estar relacionados com a ansiedade e a depressão. Nos últimos 30 anos os factores stressantes aumentaram significativamente na nossa sociedade.

Acompanhei uma mulher que lhe tinha sido diagnosticado uma depressão e ela sentia bem quando consumia cocaína com uns amigos do sexo masculino. Esta jovem está em risco de desenvolver um padrão de consumo que a pode conduzir à dependência crónica.
Tenho acompanhado algumas mulheres, principalmente com dependência de drogas ilícitas que iniciaram o processo do uso nocivo e depois dependência (adicção) quando se envolveram em relacionamentos de intimidade com seus parceiros que já consumiam. Durante a adolescência as raparigas são mais influenciadas e pressionadas pelos seus namorados (sexo masculino) para consumirem álcool e outras drogas do que o contrario.

Por vezes o “papel” das mulheres (vínculos e laços) na relação é preocupar-se em valorizar e monitorizar o bem-estar da relação e agradar ao seu parceiro e família. A mulher está intimamente ligada a todo o tipo de relações (ex. maternidade, amigas, família). Se alguma coisa corre mal cabe à mulher adaptar-se e por vezes até ignorar os problemas – regra do silêncio (não vês, não falas e não sentes). Isto é, afirmam que fazem um voto de confiança e de abnegação (evocam estes valores; mas na realidade o comportamento é disfuncional – baixa auto-estima, vergonha e culpa, medo da rejeição, tristeza e isolamento) para que a relação resulte; aconteça o que acontecer. Ela está ali para o melhor e o pior, negligenciando os seus valores e princípios morais. Muitas mulheres cresceram aprendendo um enorme rol de “não deves” e “não podes” que estão intimamente relacionadas com o ser rapariga. Em alguns casos, não existiram referências e modelos saudáveis e construtivos (pessoas significativas).

Uma das questões que pode dificultar o pedido de ajuda tem a ver com as consequências das dependências – a perda de controlo, quer estejam directamente relacionadas com o próprio consumo nocivo (ex. sentimentos de culpa quando bebe e a incapacidade em controlar as doses (drogas e álcool) e a frequência) ou em admitir que perdeu o controlo (sentimento de impotência e sentimento de inutilidade e frustração) sobre o trabalho e os seus colegas, a família (ex. filhos), a saúde (física e emocional) e amigos/as. Quando observamos um homem inebriado sob o efeito do álcool por vezes achamos graça. Se for uma mulher sentimos pena.

Segundo a Dra. Charlotte Davis Kasl, especialista em adicções e autora de vários livros, afirma que muitas mulheres estão “presas” na impotência das dependências e incapazes de pedir ajuda. Isto aplica-se aquelas que estão deprimidas e aquelas que sofreram algum tipo abuso (físico, emocional e sexual). Para estas mulheres admitir a impotência assemelha-se a algo assustador e avassalador. Experimentam a sensação humilhação, falta de segurança e protecção.

Alguns sintomas caracteristico do alcoolismo nas mulheres (James, Jane. E. - Symptoms of Alcoholism in Women / Journal of Studies on Alcohol 1975.

Racionalização da bebida;

Negligencia os hábitos alimentares;

Protecção do stock de bebida (ex. esconde as garrafas);

Ressentimentos irracionais (ex. desconfiança);

Permissividade para com as crianças derivado aos seus sentimentos de culpa;

Bebe para se alegrar e afinal descobre que fica deprimida;

Perda da tolerância ao álcool;

Tremores;
Sentimentos de culpa por e quando bebe;

Remorso persistente;

Rouba bebidas;

Desvaloriza os seus relacionamentos;

Junto aos seus pertences, na mala pessoal, inclui uma bebida alcoólica.

Programas de Recuperação para Mulheres Dependentes

Para que estes programas sejam eficientes devem contemplar a natureza das dependências (bio-psico-social-espiritual). Personalizado e direccionado para o género (mulher) abordando as suas características quanto ao “papel” da mulher, a sua fisiologia, socialização, experiencias e status na cultura. Contempla uma abordagem do trauma, das competências e habilidades e relacionamentos (Grella, 2004).

Muitos programas de tratamento das dependências, em regime residencial de internamento, apesar de algumas mudanças ainda são delineados e direccionados para preencher as necessidades do homem. Neste contexto, mais uma vez as mulheres procuram adaptar-se. Quais as instituições que só admitem mulheres dependentes de álcool e ou outras drogas que por exemplo estão grávidas e ou com crianças lactentes? Pessoalmente conheço uma, admito porém que devem existir mais. Mas são insuficientes.

Estes programas de tratamento devem focar-se na organização de filiações e ligações com as outras pessoas, especialmente as crianças e membros de família.

Orientações para mulheres dependentes de substâncias adictivas que desejem recuperação sóbria e duradoura.
Esteja atenta as suas necessidades:

Físicas (alimentação saudável, sono, exercício físico),

Relacionadas com a segurança (liberdade dos seus medos, segurança, estabilidade),

Pertença e intimidade nas relações (família, incluindo os filhos/as, amigos/as, colegas do trabalho e afectos),

Auto-estima (merecedora do respeito dos outros através das suas próprias competências e auto realização, reconhecimento, apreciação e auto-respeito),

Auto actualização (ser e fazer aquilo é designado pelo individuo de forma que seja uma mulher moderna e dinâmica). Realizar o seu verdadeiro potencial humano.

Ah e não se esqueça é Ok perder o controlo (cometer erros) e pedir ajuda. O seu exemplo de coragem e humildade pode ser estimulante para aquelas mulheres que sofrem em silêncio e abandonadas à sua sorte. Se nada muda…fica tudo na mesma.
“Recuperar é que está a dar”

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