segunda-feira, maio 19, 2014
Parar de comer compulsivamente
A minha história começa como tantas
outras. Sempre fui uma criança gordinha, mas nunca obesa, o que não me
preocupava nada, até ao dia em que alguém verbalizou que eu estava gorda e
precisava de perder peso. Não sei quem foi, nem quando. Só sei que me marcou
profundamente. De repente, eu era diferente dos outros. Tinha peso a mais,
tinha de o perder e, pior ainda, tinha de deixar de comer para o conseguir.
A partir desse momento, parecia que
estava sempre alguém à espreita, pronto a apontar o dedo e a lançar um olhar
reprovador, cada vez que metia um pedaço de bolo à boca. Desde então, o dedo
acusador passou a estar presente em todos os momentos que houvesse comida e eu
a desejasse comer.
Como criança pensei que a solução passava
por comer às escondidas. Se ninguém vir o que como, é como se não acontecesse,
ninguém me pode acusar ou lançar olhares reprovadores… Foi assim que aprendi a
comer às escondidas. Nesses momentos, era só a comida e eu, a minha nova melhor
amiga. O prazer foi crescendo, à medida que criava um mundo secreto, só meu.
Com a entrada na adolescência a
situação agravou-se e o aumento de peso tornou-se evidente. A primeira reacção
foi fazer de conta e evitar os espelhos. O que não se vê, não existe… Os comentários
continuaram e ajudaram a que comesse cada vez mais, numa espécie de espiral
compulsiva. Evitava comer em público.
Aos 18 anos, levaram-me ao médico e fiz
a minha primeira dieta. Segui à risca o que me disseram, mediante a promessa de
perder peso. Em seis meses, perdi 20 quilos. A minha vida mudou. De repente, o
mundo olhava-me com outros olhos, ou pelo menos, assim os sentia… vieram os
elogios, os convites e, de repente, tudo me servia e assentava bem. Tive o meu
primeiro namorado a sério.
O mundo tratava-me de um modo muito
diferente do que estava habituada. Rapidamente, cheguei a uma conclusão. Nunca
mais podia voltar a ser gorda. Acordava, a meio da noite, com pesadelos de que
tinha engordado. Aquela que havia sido a minha melhor amiga, ao longo de quase
toda a vida, tinha-se transformado na minha pior inimiga.
Tive dias em que comi apenas uma maçã e
um iogurte. Estava a entrar num processo de anorexia mas, para alguém como eu,
que sempre comeu compulsivamente, esse período não poderia durar. Precisava da
comida para lidar com as emoções, com os desalentos… Mas, como comer e não
engordar? Vomitar.
Comecei a comer tudo o que não devia/podia,
seguido do vómito. Em pouco tempo, percebi que algo estava muito errado e tive
a lucidez de pedir ajuda. Foi assim que conheci o meu primeiro psiquiatra. Nesse
dia, entrei no mundo dos anti-depressivos e ansiolíticos, que me acompanharam
durante muito tempo. Tempo de mais, até…
Recuperei da bulímia, mas não da
obsessão pela comida. Os pensamentos eram sempre os mesmos: o que comer, onde comprar
comida açucarada, como comer secretamente… É claro, sempre às escondidas,
sempre com vergonha.
No passado, a minha criança achava que
se comesse às escondidas ninguém ficaria a saber mas, no presente, a adulta
sabia que tal não fazia qualquer sentido. Ninguém vê o que eu como mas, eu
vejo, eu sei. A vergonha está lá. Os quilos a mais também. Nos dias maus, tudo
era um pretexto para comer. A tristeza, a alegria, a monotonia… Ia ao
supermercado, comprava porcarias, com as quais me empanturrava a caminho de
casa. Tudo muito rapidamente. Para que ninguém visse ou soubesse.
Fiz inúmeras dietas. Tantas, que
poderia dar palestras sobre alimentação saudável e técnicas para perder peso.
Decidi continuar a procurar ajuda e às
prescrições do psiquiatra acrescentei a conversa da psicóloga. Fiz coaching, acupunctura,
reiki, terapia regressiva, hipnose, li tudo o que havia para ler sobre o tema…
Tentei de tudo um pouco e tudo ajudou (e continua a ajudar) muito. Mas não o
suficiente.
Por vezes, a compulsão alimentar
parecia estar adormecida. Passava longos períodos de controlo alimentar e perdia
peso. Mas, de repente, provocada por um acontecimento, ou mesmo por nada, a
compulsão regressava e lá ficava eu descontrolada. Mais uma vez. E sempre foi
assim. Durante quase 40 anos.
Percebi que pouco mais havia a fazer. Restavam
duas hipóteses: rendia-me totalmente à compulsão alimentar, ficava obesa e morria
de uma doença que lhe estivesse associada ou, não desistia, e continuava a
procurar ajuda até conseguir uma verdadeira recuperação. Como não queria
desistir continuei a procurar e encontrei um grupo de apoio para pessoas com compulsão
alimentar, os Comedores Compulsivos Anónimos (CCA). Havia encontrado uma
ferramenta a que ainda não tinha recorrido. Fui a uma reunião, gostei e
continuei a ir.
Finalmente, tinha encontrado o outro
lado do espelho. Aquelas pessoas falavam a mesma linguagem, percebiam. Sem
pressões, sem julgamentos, sem conselhos (se queres emagrecer, não comas…).
Actualmente, encontro-me em
recuperação. Já perdi peso e como equilibrada e saudavelmente. Um dia de cada
vez, 24 sobre 24 horas.
Sempre procurei um milagre em todas as
terapias/tratamentos que fiz, em todas as dietas que experimentei, em todos os
livros que li. Todas essas ferramentas foram e continuam a ser muito
importantes mas, o verdadeiro milagre, está dentro de nós. E, quando acontece, surge
sempre de dentro para fora.
Um dia, decidimos que basta. Aquilo já
não nos serve. Queremos mudar. Queremos ser livres. Queremos encontrar-nos. Então,
voltamos a procurar ajuda e, finalmente, encontramos as ferramentas certas para
um novo começo. A estas ferramentas alia-se o poder da única pessoa que nos
pode apoiar 24 horas por dia, sete dias por semana... nós! E assim, vamos
assumindo o controlo da nossa vida. Aos poucos. Um dia de cada vez…
Bem hajam e + 24!
Autora Anónima
Email: comedorescompulsivosporto@gmail.com
Blogue: Comedores compulsivos
Comedores Compulsivos Anónimos
Reuniões
Porto: Terças-feiras, às 19h30, Paróquia
de Cristo Rei.
Lisboa:
Segundas-feiras, às 20h00, Igreja S. João de Deus. Quartas-feiras, às 19h30, Colégio
Pio XII.
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