sábado, junho 16, 2012
Controlar a adicção pode ser uma obsessão
Um dos temas mais controversos no tratamento da adicção,
gira em torno do auto controlo e/ou a falta dele. Paradoxalmente, um número
muito significativo de adictos (homens e mulheres) e as suas famílias,
apresentam uma predileção especial pelo controlo.
Dependemos unicamente das nossas competências e recursos
para realizar os nossos projetos e ambições, isso é sinonimo de auto controlo.
Na prática, é-nos incutido de uma forma explícita, que precisamos de controlar
os nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos e também dependemos do
autocontrolo, para viver, segundo as tradições, as regras e os rituais
(paradigmas e estereótipos) da família e da sociedade em relação aquilo que
está certo e aquilo que está errado; direitos e deveres.
Dependemos do auto controlo para sobreviver, custe o que
custar, nesta batalha campal que é o dia-a-dia, feito de correrias,
preocupações e stress.
O autocontrolo e o prazer imediato
O que é que o consumo de álcool, drogas ilícitas, a ingestão
de alguns alimentos ou o contrario (restrição alimentar), relacionamentos de
intimidade/paixão, o jogo, o sexo, as compras têm em comum? É a sensação de
prazer imediato, intenso e de bem-estar que as pessoas sentem. Existem
sensações de prazer imediato e intenso, para todo o tipo de gostos e
preferências. Todavia, do ato normal e legitimo, curioso, inofensivo e saudável
da busca de prazer até á dependência pode ir uma distância muito grande ou não.
Como é que um individuo, que afirma controlar a sua vida,
por ex. um médico, uma advogada, um professor, uma engenheira, um bancário, um
mecânico ou uma dona de casa, reconhece, que afinal o resultado do abuso de
substâncias e/ou comportamento adictivo, revela-se errado, doloroso,
disfuncional, ilegal e imoral? Após varias tentativas e estratégias, sem
sucesso, para controlar a dependência (adicção), esta torna-se o foco da
atenção e dos problemas. Estas pessoas, aparentemente, controlam a sua vida, mas
na realidade, não controlam os efeitos e as consequências da sua adicção
(doença).
Uma vez despoletado a progressão da adicção, o individuo,
que afirma controlar o desempenho das suas funções e obrigações, desenvolve um
conjunto de mecanismos psicológicos inconsciente, (negação, racionalização,
justificação), cujo intuito, é o auto engano e a auto ilusão, onde é,
inconscientemente, capaz de acreditar nas suas próprias mentiras; Nega os
aspetos negativos da doença (consequências e efeitos) e reforça, para si mesmo,
os aspetos positivos da adicção (reforço positivo – sensação de alivio e o
prazer imediato, afirmando “Eu mereço…”, seja obtido através do abuso do
álcool, as drogas ilícitas e/ou comportamentos adictivos; jogo, sexo, distúrbio
alimentar, codependência, furto, compras). O individuo constrói imagens de si,
como alguém que está no seu perfeito juízo/controlo; mesmo tendo vidas duplas;
uma vida secreta de adicto e a outra vida publica da negação, do faz de conta.
A teoria do controlo da adição activa, está enraizada nas
tradições disfuncionais da cultura e da família, através de paradigmas, mitos e
estereótipos (estigma, negação e a vergonha) associado ao auto engano e à auto
ilusão que reforçam o círculo da adicção e a progressão da doença. O individuo,
doente, acredita que será através do auto controlo, que será encontrada a
solução para a adicção (cura e/ou eliminação dos problemas). Ilusoriamente,
este auto controlo, auto engano e a auto ilusão, só contribuem para a
progressão da doença, as coisas não melhoram, pelo contrário só pioram. Do
controlo (prazer saudável e inofensivo) ao descontrolo (dependência); é um
processo muito subtil e complexo.
O que é que a adicção tem a ver com o autocontrolo?
Absolutamente nada, bem pelo contrário: Facto nº 1:
Ninguém escolhe ser adicto/a, a adicção é uma doença progressiva (os sintomas
tendem a agravar, não melhoram) e primária, não é sintoma de outra patologia e
crónica. Facto nº2: Ser adicto/a não é um ato consciente e/ou
voluntario.Facto nº 3 Conheço centenas de indivíduos adictos, e todos são
unanimes: A adicção ativa é sinonimo de dor e dependência; prejudica e
compromete a saúde, a relação com a família, incluindo as crianças, prejudica e
compromete o desempenho profissional, assim como o ambiente no local de
trabalho, deteriora os recursos económicos/financeiros e as relações de amizade
e contribui para a perda de qualidade de vida (perda do controlo). Facto
nº4: Paradoxo – o individuo ao admitir a perda do controlo; inicia o
processo de mudança e de recuperação (Autoengano vs Honestidade. Ambivalência
vs Motivação. Negação vs. Ajuda) Da adicção ninguém recupera sozinho/a.
Na adicção o que é que se controla? Por ex. o
desempenho profissional, as obrigações familiares, os estudos, os recursos financeiros.
Durante a adicção ativa o que é que realmente não se controla? As substâncias
psicoactivas e os comportamentos adictivos. Obviamente, que a resposta não é
simples, e por vezes, até é capaz de gerar mal entendidos e/ou controvérsia,
visto colocar em causa os sentimentos, crenças e valores do individuo
(identidade) e da própria família. Aquilo que sabemos é que a progressão da
adicção afecta e compromete seriamente a qualidade de vida do individuo, da sua
família, incluindo as crianças, o trabalho, a saúde.
Rendição na recuperação e a perda do controlo na adicção
A Rendição, ao contrário do que se pode pensar, de acordo
com as tradições culturais, não é falhanço ou fraqueza moral, visto a adicção
ser uma doença primária, cronica e progressiva. Rendição é sinonimo de perda
total do controlo e o fim do auto engano, consequência da adicção;
interrompem-se e esgotam-se as desculpas, as justificações, os alibis, as
promessas e os segredos (vidas duplas). Rendição pode ser um despertar para a
realidade. Recordo algumas afirmações de indivíduos “Quando soube, que afinal o
meu problema era uma doença, foi um alívio, porque durante muitos anos, sempre
pensei que era anormal, um pervertido, viciado, a ovelha negra, um marginal e
um fraco, aos olhos da minha família e da sociedade.”
O processo de Rendição é doloroso, não só para o adicto, mas
para aqueles com quem ele/a coabitam e/ ou trabalham; mudança de
papéis/hábitos/hierarquia. Existe uma relação direta entre a perda do controlo
da adicção e a rendição para a recuperação – rendição é um desejo honesto de
mudança de estilo de vida. Ao invés daquilo que se possa pensar, não é cura
para um “vírus”, mas motivação para mudança de atitudes e comportamentos. O
individuo concretiza, através da dor (consequências da adicção), que é ele
próprio que precisa de mudar o seu estilo de vida; não o “mundo à sua volta”.
Rendição na adicção é sinonimo de honestidade para enfrentar
a ambivalência, identificar rotinas, padrões, crenças (erros cognitivos) que
contribuem para a progressão da doença, em relação à adicção ativa. Rendição é
assumir o compromisso e envolver-se no tratamento e na reabilitação através de
promoção de comportamentos geradores de qualidade de vida. Rendição, é você,
adicto/a em recuperação, que decide o propósito e o rumo da sua vida, em vez de
ser a adicção, a fazê-lo por si.
Um individuo adicto em recuperação é uma pessoa normal. Por
exemplo, conheço adictos em recuperação que controlam as suas vidas e são
responsáveis pelas vidas de outras pessoas, incluindo crianças, refiro-me a
médicos, enfermeiros, advogados, professores, engenheiros. A grande diferença é
que caso a adicção seja reiniciada, as consequências estão fora do seu
autocontrolo.
Se você identifica a perda do controlo, como consequência da
adicção, você não é culpado/a, peça ajuda profissional, poderá interromper a
progressão da doença.
Publicada por
JOÃO ALEXANDRE RODRIGUES conselheiro certificado abuso de drogas e alcool
à(s)
sábado, junho 16, 2012
Etiquetas:
abstinência,
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