Todos nós, seres humanos, precisamos de criar e desenvolver vários tipos de elos/ligações com os outros. Somos seres gregários. Precisamos de relações amorosas, criar vínculos, laços de pertença. Contudo, surge um serio problema quando esses vínculos e laços se tornam padrões disfuncionais repetitivos de insatisfação, insegurança, infelicidade e rejeição, de vergonha e culpa, baixa auto estima, isolamento, raiva e ressentimento e dependência.
Isto significa que o amor levado a um extremo pode conduzir ao sofrimento e desgoverno a que podemos designar de dependência emocional – “o amor é cego”. Por vezes, evocamos e abusamos da palavra/conceito Amor quando na realidade o comportamento é o oposto. A nossa cultura/sociedade reforça a crença disfuncional de que devemos procurar a felicidade “mágica” no amor-paixão e/ou no parceiro/a ideial (principe perfeito e/ou princesa perfeita).
Consideramos perfeitamente natural que a exaltação amorosa seja o tema principal na literatura, no espectáculo, na canção. Somos constantemente bombardeados, através dos media, através de promessas de uma relação apaixonada que nos traga satisfação e realização pessoal. Diariamente, assistimos a telenovelas, programas de televisão, revistas, romances, anúncios que apelam às nossas emoções (à imaginação, ao sonho, à sedução e à sensualidade) e às relações perfeitas e fáceis.
Quase que dependemos dos relacionamentos de “sucesso” para conseguimos um propósito e sentido na vida. O amor apaixonado é aquilo que alguém sente geralmente por um parceiro/a impossível. De facto, é exactamente, por ser impossível que existe tanta paixão. Para que exista a paixão, terá de existir uma luta continua, obstáculos a ultrapassar e um desejo de obter mais do aquilo que é oferecido. Literalmente, paixão significa sofrimento, e frequentemente, quanto maior é o sofrimento maior é a paixão. A prioridade e a razão da felicidade gira em torno da conquista, da sedução, do romance, do flirt, do sexo. A intensidade emocional, de um caso de amor apaixonado não é comparável ao conforto mais subtil, de um relacionamento estável, de confiança e empenhado. Assim se o parceiro/a, finalmente recebesse por parte do alvo da sua paixão, que tão ardentemente deseja, o sofrimento terminaria e a paixão em breve se esfumaria. Nessa altura, provavelmente iria deixar de gostar dessa pessoa, porque a magoa doce-amarga teria desaparecido.
A sociedade prepara-nos para o desafio da vida; adquirir a liberdade, autonomia e espiritualidade, (não religioso, sem dogmas e divindades), sem ser a “custa” de outra pessoa/, parceiro/a ou coisas materiais? Como é que aprendemos a amar, sem que a nossa propria identidade se dilua na dependencia do amor?
A nossa tradição ocidental de amar e ser amado é na minha perspectiva um conceito ultrapassado e disfuncional que promove a dependência emocional. Actualmente não existe tempo suficiente para amar e ser amado. Vivemos para a posse das coisas (materiais) e o poder sobre os outros. Aprendemos que ser homem é reprimir sentimentos e ser “duro” (macho) as únicas emoções permitidas são a raiva, a excitação e o desejo sexual. Quando o homem se sente embaraçado, inseguro e triste sente-se inadequado e zangado.
Os dependentes emocionais são pessoas reactivas. Sobre-reagem ou sub-reagem, mas raramente agem poderadamente, na area dos afectos e das relações. Reagem aos problemas, sofrimento e comportamentos dos outros. Reagem aos seus próprios problemas, dor e comportamentos. Muitos comportamentos impulsivos são reacções ao stress e à incerteza e à impotência de viver ou crescer. Não é necessariamente anormal , mas é heróico, salvaguardando a sua identidade, e pode salvar a vida saber como não reagir e actuar de formas mais saudáveis e construtivas. Porém a maioria das pessoas dependentes do amor precisa de aprender a fazê-lo.
Na dependência emocional, uma das razões pelas quais este tipo de problema é uma realidade, deriva do facto de ser progressivo, isto é, à medida que os parceiros ficam mais disfuncionais, o dependente emocional começa a reagir de forma mais intensa à pressão. Um tipo de acontecimento que tenha gerado uma pequena preocupação pode desencadear isolamento, depressão, ansiedade, doença física e ou emocional e ou fantasias suicidas. Um evento conduz instabilidade emocional.
Algumas características de dependência emocional
Viver em função da própria relação. Não restam energias para outros compromissos e/ou actividades.
Limites débeis nas fronteiras do ego. (A noção errada de que os dois devem ser um).
Abuso físico e/ou emocional.
Após a perda do amor ficar incapaz de terminar a relação.
Medo de assumir riscos saudáveis e resistência exacerbada à mudança. Sente-se ameaçado/a.
Limitados na evolução/desenvolvimento individual.
A verdadeira intimidade é percepcionada como uma ameaça. Sente-se exposto, defensivo e vulnerável.
Representação de jogos psicológicos (a relação é um palco de representações) – vitima, salvador e perseguidor.
Falta de espontaneidade na troca de afectos – “Só dou se receber em troca...”
O dependente emocional foca-se (fixação) nos outros e naquilo que eles precisam de mudar.
Depender dos outros para se sentir completo, seguro e equilibrado.
Procurar “milagres” externos para resolver os problemas na relação – "Ainda acreditam no Pai Natal e/ou na cegonha e o recém nascido?"
Desenvolver expectativas irreais (exigências, promessas) em receber amor incondicional. “Se eu sofrer por ti, amas-me?”
Assumir uma atitude de auto-controlo e recusa de compromisso na relação. – “È mais confortável rejeitar do que ser rejeitado.”
Depender dos outros quanto à própria auto-afirmação e vigor (auto conceito distorcido)
Sentimentos de abandono, solidão e extrema insegurança na relação.
Antecipar situações catastróficas e negativas (ansiedade, depressão, excitação, controlo, culpa e baixa auto-estima).
Evitar aquilo que receia, por ex. medo da intimidade.
Esperar que o parceiro/a adivinhe, bem como seja o responsável pelo bem estar do outro (necessidades, sentimentos, dificuldades)
Comportamentos manipuladores/controlo (jogos de poder) de forma a manter a desigualdade na relação. “A melhor defesa é o ataque.”
Segundo Greenberg e Bornstein (1988b) um indivíduo com orientação de personalidade dependente encontra-se em risco para variadas condições psicopatológicas, inclusive depressão, alcoolismo, obesidade e dependência do tabaco.
“As relações são como uma dança, com energia visível a correr de uma parceiro para o outro. Algumas relações são uma dança de morte lenta e obscura.” Colette Dowling
“Não é correndo atras do amor que o encontramos; basta abrir o nosso coração e encontrar-lo-emos dentro de nós “ Charlotte D. Kasl
Como recuperar da dependência emocional
Não existe uma solução mágica para este tipo de patologia. Não existe um medicamento. Acredito que a recuperação seja um processo de avanços e recuos graduais e constantes no proprio diagnostico, nas crenças disfuncionais sobre intimidade, confiança e entrega. Recordo vários casos que acompanho cujas pessoas procuram, de uma forma genuína, viver segundo padrões saudáveis e construtivos, todavia longe daquilo que consideram que é a perfeição. Não existem pessoas perfeitas, assim como não existem relacionamentos perfeitos. Existem valores morais (confiança, intimidade, liberdade, altruísmo, respeito, desapego) que promovem o individuo e a relação com o/a parceiro/a.
Aprenda a desenvolver competências cognitivas (informação/consciência) que aumente a sua motivação para a mudança/acção com o apoio pessoas significativas/profissionais de confiança. Aprenda a perdoar-se através de caminhos espirituais, não religiosos sem dogmas e divindades. È importante centrar-se no positivo e largar a rigidez de pensamento. Conheça e examine honestamente a sua historia pessoal,a sua familia de origem, as crenças e os mitos e os medos.
Faça meditação e oração.
Faça exercício físico
Escreva diários
Pratique leitura sobre o tema
Aprenda a desfrutar de estar na sua própria companhia
Aprecie o contacto com a natureza.
Aprecie e pratique hobbies (pintura, musica, jardinagem, voluntariado, etc.)
Faça afirmações positivas diárias (Eu sou uma pessoa..................)
Envolva-se com pessoas positivas e autenticas.
Frequente grupos de ajuda mutua
“Juntos conseguimos aquilo que sozinhos não fomos capazes”
Referências: Norwood, Robin “Mulheres que amam demais” Editora Sinais de Fogo; Beattie, Melody “Vencer a codependência “ Editora Sinais de Fogo; Scheaffer, Brenda “Será amor ou dependência?” Editora Bizâncio ; Carnes, Patrick “Out of the shadows” Hazelden, Pauwels, Louis “Aprendizagem da Serenidade” Verbo
3 comentários:
gostei do artigo, onde se pode pesquisar mais sobre o assunto? q mais concelhos daria p ultrapassar a dependencia emocional associada a falta de confiança? obrigado
Estou passando por isso e não é a primeira vez... Me sinto mal e só agora percebi que se trata de uma doença. Como posso saber mais sobre esse tema, tem algum grupo de ajuda?
Muito obrigado!
Gostei muito do post. Serve-me muito. Sou adicta e o meu relacionamento terminou à poucas semanas. Para perceber o que realmente se passou (e se realmente já passou/acabou) li "amar de olhos abertos". Fiquei com a sensação que havia solução. Entretanto comecei a ler o livro "mulheres que amam demais" e foi duro! Foi duro ver de forma tão clara o efeito dos comportamentos aditivos em várias áreas da minha vida. De qualquer forma talvez não seja a melhor altura para ler esse livro.
Muito obrigado pelo post.
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